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LITERATURA
História "juvenil" de rapaz "autista" que investiga morte de cão, agora no Brasil, foi "o" livro de 2003 na Inglaterra
"Estranho caso" da ficção inglesa está entre nós
Dave Caulkin/Associated Press
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O escritor Mark Haddon e seu premiado "O Estranho Caso..." em sua casa, em Oxford, Inglaterra |
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Você pode nunca ter ouvido falar sobre a história de um garoto
com problemas mentais e suas investigações sobre a morte de um
cachorro da vizinha, mas pode
anotar em qualquer caderninho,
que não esteja disposto a perder
nos próximos anos, duas coisas:
"O Estranho Caso do Cachorro
Morto" e Mark Haddon.
Juntos, o romance e seu autor se
transformaram no maior fenômeno literário-editorial da Inglaterra na safra 2003.
Escritor e ilustrador de livros infantis de pouca visibilidade, Haddon fez sua primeira obra "infanto-juvenil" (as aspas depois se explica) conquistar a tríplice coroa:
atingiu o topo das vendas no Reino Unido, com 500 mil cópias, faturou o tradicional Prêmio Whitbread de melhor livro do ano,
concorrendo com tudo o que foi
publicado no país em qualquer
gênero em 2003, e colecionou todos os adjetivos no espectro de
"brilhante" a "genial" das principais publicações da língua inglesa
e de autores como Ian McEwan.
Vendido para 40 países e para
uma 41ª nação chamada Hollywood, o livro chega
também, sem legendas, às prateleiras brasileiras, em lançamento
recente da editora Record.
Atualmente fazendo seu segundo romance, com "12 mil palavras" já gravadas no seu computador, em Oxford, Inglaterra,
Haddon, 42, saiu temporariamente de sua reclusão (ele recusou viajar aos EUA agora, onde
seu livro tem lançamentos -e
ocupa o terceiro posto no "top
ten" da "Publishers Weekly") e falou por telefone com a Folha. Leia
a seguir trechos da entrevista.
Folha - Você já disse que em geral
escrever para crianças é uma atividade tratada como algo tão estranho como "viver de fazer aquarelas
de gatos". Por que existe preconceito com o autor infantil?
Mark Haddon - Assim como as
crianças são tratadas como inferiores em relação aos adultos, os
autores para crianças são colocados em um patamar abaixo. Os livros são mais simples, curtos e,
pior, qualquer um acha que pode
escrevê-los -e não pode. Acho
que meu livro faz parte de um cenário de mudança cultural na Inglaterra nos últimos anos, que fez
da literatura para crianças e adolescentes algo mais valorizado.
Folha - Foi a mágica de Potter?
Haddon - Potter fez os editores
notarem que podiam fazer muito
dinheiro vendendo livros que fossem tanto para adultos quanto
para crianças, mas o escritor que
realmente mudou o status desses
autores foi Philip Pullman [que
tem obras lançadas no Brasil pela
Objetiva]. Devemos muito a ele. A
diferença é que se você é adulto e
lê Potter você vai se divertir fingindo que tem 12 anos. Mas nos livros de Pullman você pode se divertir e continuar adulto.
Folha - Potter foi o primeiro livro
de centenas de milhares de crianças. Mas elas cresceram e provavelmente foram atrás de algo mais
"crescidinho". Você imagina que
esse contingente possa explicar as
vendas fenomenais de seu livro?
Haddon - Não acho que exista
uma ligação direta com o fenômeno Potter, mesmo porque uma
das maiores vendas foi da edição
adulta [o livro teve na Inglaterra,
de modo inédito, uma edição para crianças e outra para adultos].
Existe um debate muito acirrado
aqui sobre os hábitos de leitura
dos jovens pós-Potter. O fenômeno teria estimulado que as crianças lessem mais ou que lessem
mais Potter? Não sei, mas acho
impressionante que crianças que
não gostavam de ler enfrentem
volumes de 500 páginas e sei, por
pesquisas dos últimos anos, que
as crianças passaram a ler muito
mais. Mas não busquei esse público. Escrevi para os adultos.
Folha - Em uma entrevista você
disse que tinha ambições de escrever um grande romance pós-moderno. Como vão esses planos?
Haddon - Estão parados, mas é
gozado que acho o próprio "Estranho Caso" um tanto "pós-moderno". É muito fácil de ler, mas
se você olha o livro objetivamente
ele é um bocado estranho. Tem
pequenos ensaios, contas, ilustrações, de algum modo sinais dos
pós-modernistas que gosto de ler.
Folha -Você fará outros livros "estrelados" por Christopher Boone?
Haddon - Não. Como minha avó
dizia, você deve deixar a mesa
sentindo-se levemente faminto.
Folha - Mas você esperava que o
livro fosse ser o banquete que foi?
Haddon - Foi um choque brutal.
Esperava vender muito pouco.
Folha - Por que o sucesso?
Haddon - Lendo cartas dos fãs
cheguei a algumas conclusões.
Embora Christopher seja quase
um alien, a história tem uma essência universal: alguém que leva
a vida seguindo um pequeno número de regras e como essa pessoa reage quando o caos vira sua
vida de ponta-cabeça. Qualquer
um vive isso, seja por ser demitido, se divorciar, perder alguém.
O segundo motivo é que, por ser
contada por alguém que não
compreende as emoções, a história fica com muitos espaços em
branco para que o leitor possa encaixar suas próprias histórias.
Com isso, uns acharam o livro
leve e divertido, outros o acharam
deprimente. As duas leituras fazem sentido. A vida é assim.
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