São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Editoras "tradicionais" fortalecem a presença das histórias em quadrinhos nas livrarias

Estantes ilustradas

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Antes confinadas às bancas de revistas, as histórias em quadrinhos ganharam densidade, páginas e alguns reais a mais no preço de capa e, de uns tempos para cá, vêm ocupando espaço maior nas estantes das livrarias.
O fenômeno mundial, que começou há décadas na Europa e só recentemente desembarcou nos Estados Unidos, onde as chamadas "graphic novels" vêm mostrando crescimento e compensando a queda de venda das revistas regulares de super-heróis, consolidou-se no Brasil no ano passado, com a adesão de editoras de peso ao mercado.
Só em 2004, a Jorge Zahar Editor acrescentou três álbuns de quadrinhos ao seu catálogo, até então reconhecido pelas obras de ciências sociais e clássicos da literatura: "Vincent & Van Gogh", de Gradimir Smudja, e os dois volumes da trilogia "Em Busca do Tempo Perdido", iniciada ainda em 2003 e adaptada pelo francês Stéphane Heuet a partir do clássico de Marcel Proust.
Para 2005, a editora guardou "O Bordel das Musas", HQ em que o mesmo Gradimir Smudja se debruça agora sobre a obra do pintor impressionista Toulouse-Lautrec, e também "O Pequeno Vampiro", do francês Joann Sfar, com previsão de lançamento no Natal.
Um dos grandes nomes do quadrinho alternativo europeu contemporâneo da editora L'Association, Sfar terá ainda a sua série "O Gato do Rabino" publicada por aqui em 2006 pela Jorge Zahar.
"Começamos a publicar quadrinhos mais por paixão do que como negócio. Conheci o trabalho do Stéphane e me apaixonei. Achei que haveria mercado para quem fizesse quadrinhos para um público bacana, mais adulto", conta Mariana Zahar, que, neste ano, trouxe o autor da adaptação de Proust à Bienal do Rio.
A aposta se provou viável: o primeiro volume de "Em Busca do Tempo Perdido" teve a tiragem inicial de 5.000 exemplares esgotada, e outros 3.000 foram rodados para uma segunda. "Foi impressionante o resultado dos leitores, de jovens até senhores de 80 anos, dizendo que foram ler o original de Proust só depois de ler os quadrinhos", comemora Zahar.
É também "a paixão", segundo Thyago Nogueira, que fez com que a "tradicional" Companhia das Letras engrossasse o seu catálogo de quadrinhos no ano passado, quando deu aos brasileiros os fresquinhos "À Sombra das Duas Torres", de Art Spiegelman (em lançamento quase simultâneo aos EUA), e também o pontapé inicial na série "Persépolis", da badalada quadrinista iraniana Marjane Satrapi. Neste mês, lança pelo selo infanto-juvenil Cia. das Letras o histórico "Maus", que rendeu a Spiegelman um Prêmio Pulitzer na década de 90, e planeja, para o final do ano, os primeiros quatro volumes da reedição integral da série "Tintim", do belga Hergé.
"O Tintim nasceu de uma negociação que fizemos no ano passado na Feira de Frankfurt. Vamos lançar todos, inclusive os inéditos no Brasil ["Tintim no País dos Sovietes" e o póstumo "Alfa Art']", adianta Nogueira.
Rogério de Campos, editor e proprietário da Conrad, que, desde o seu surgimento, publica livros, "graphic novels" e revistas de bancas, afirma que "estamos entrando no melhor período dos quadrinhos mundialmente". "Você mede isso pela quantidade de temas. Estamos publicando um quadrinho da vida da [atriz, fotógrafa, comunista, amante de Diego Rivera...] Tina Modotti, em que o [escritor Paco] Taibo 2º é um personagem da HQ. Isso era inimaginável em outros tempos. "Persépolis" seria inimaginável."

Posicionamento
"Quando você entra nesse universo, tem de mudar o formato, não dá para ser de banca. Estamos falando de autores que exigem papel e formatos diferentes e, para viabilizar isso, dependemos da livraria", explica Campos, citando 20 mil unidades vendidas da edição luxuosa de "Sandman -°Noites sem Fim" e 15 mil das quadrinho-reportagens de Joe Sacco na Palestina e na Bósnia.
Ainda neste mês, a Conrad transporta das bancas para as estantes compilações em formato livro de dois de seus mangás mais bem-sucedidos, a série "Vagabond", de Takehiko Inoue, e "Dragon Ball", de Akira Toriyama, numa coleção em 38 volumes retocada recentemente pelo quadrinista japonês. ""Dragon Ball" vai concorrer com "Harry Potter". E vencer. As vendas de "Dragon Ball" já passaram de 1 bilhão no mundo todo", afirma Campos.
Outro campeão de vendas está fazendo reacender as prensas da editora Record, que, até meados dos 90, respondia por boa parte dos álbuns de quadrinhos publicados no Brasil. É "Asterix", de Albert Uderzo e René Goscinny, que ganha versão "remasterizada", com retoque de cores e novo letreiramento de Ota, editor da revista "Mad", das tiragens esgotadas da Record. Os gauleses mais populares da França -onde as HQs crescem a todo vapor e disputam os primeiros lugares com os livros mais vendidos- devem ganhar aventura inédita neste ano pelas mãos de Uderzo. Se confirmada, a Record publica.

Na contramão
Enquanto muitos miram as livrarias, a Ediouro, que também edita livros, mas é mais conhecida por sua presença em bancas com as palavras cruzadas da série Coquetel, deposita as esperanças de sua recém-criada linha de quadrinhos no mercado de revistas.
"Acho que os quadrinhos nas bancas se deram mal no Brasil por miopia das editoras. No final dos anos 90, passou-se a dizer que gibi bom era gibi caro", questiona Rodrigo Fonseca, editor de HQs da Ediouro. "O que estou tentando fazer aqui é reposicionar o quadrinho europeu como uma opção de qualidade que seja acessível e não se limite ao álbum, consumido apenas por uma minoria."
Além dos recém-lançados "Star Wars", "Aquablue" e "Nathan Never", a editora pretende colocar nas bancas nas próximas semanas a minissérie francesa "Arthur" e o mangá holandês (!) "Quark". Apesar da fidelidade às bancas, Fonseca não descarta atacar as livrarias no futuro com álbuns de mestres europeus como Lustal, Manara e Crepax.


Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Mônica Bergamo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.