São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 2005

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ARTES PLÁSTICAS

Vinte esboços do pintor espanhol serão vendidos pela documentarista e poeta Genevieve Laporte dia 27

Amante de Picasso leiloa "traços da paixão"

ANGELA DOLAND
ASSOCIATED PRESS, EM PARIS

Quase todos os amores de Pablo Picasso tiveram fins trágicos. Marie-Therese Walter se enforcou. Jacqueline Roche se matou com um tiro na têmpora. E Dora Maar se tornou reclusa, morrendo pobre e solitária. Assim, é uma surpresa conhecer a ensolarada Genevieve Laporte, 79. Ela sobreviveu a Picasso e tornou-se poeta e documentarista premiada.
Quando tinha 24 anos, Laporte iniciou um caso secreto de dois anos de duração com o mestre, então com 70 anos. Bela, ela era ex-combatente da resistência, e Picasso a desenhou muitas vezes: nua na cama, em um vestido de casamento fantasioso, usando uma blusa de marinheiro.
Em 27 de junho, Laporte venderá 20 dos esboços de Picasso, em Paris. Estima-se que valham entre 1,5 milhão de euros e 2 milhões de euros (entre R$ 4,34 milhões e R$ 5,79 milhões), e eles mostram um lado terno e apaixonado do gênio.
Laporte conheceu o pintor quando tinha 17 anos e recebeu a incumbência de entrevistá-lo para o jornal da escola. Uma amizade incomum nasceu entre eles. Os dois tomavam chocolate quente e Picasso recomendava livros a Laporte. Era um relacionamento inocente -pelo menos da parte dela. "Eu era completamente ingênua", destacou Laporte. "Ele me disse mais tarde que eu nem imaginava o quanto ele queria acariciar meu cabelo, mas não tinha coragem. Ele tinha idade para ser meu avô! Se ele tivesse feito isso, eu teria fugido".
Sete anos mais tarde, depois de ela ter passado algum tempo nos EUA e ter começado a trabalhar, Laporte visitou Picasso no apartamento dele. "Eu disse que precisava ir para casa. E exatamente naquele momento, juro, foi como um conto de fadas", diz. "A sala escureceu e pela clarabóia eu vi um céu como nunca tinha visto, a não ser no Congo durante as tempestades tropicais. Ele me disse para esperar um pouco, porque um temporal estava começando... E, um estrondo: relâmpago, trovão, granizo". E a seguir? "Não me lembro do que aconteceu depois", diz ela, modestamente.
Os dois mantiveram um caso enquanto Picasso vivia com a pintora François Gilot. Mãe de dois dos filhos de Picasso, Gilot foi outra das raras mulheres que deixou o pintor no lugar de sofrer. Picasso se separou temporariamente de Gilot no verão de 1951, para passar férias em St. Tropez com Laporte, o poeta Paul Éluard e a mulher deste, Dominique.
Muitos desenhos feitos no período portam a inscrição "para Genevieve". Quando o museu Hermitage, de São Petersburgo, exibiu os desenhos, classificou-os como "período Genevieve" ou "período terno" do pintor.
Picasso pediu que Laporte fosse morar com ele, dois anos depois. Gilot acabara de deixá-lo e Picasso queria que ela vivesse na casa que havia dividido com a pintora na Riviera francesa. "A ex-namorada dele parte uma manhã e ele me convida para me mudar para a mesma casa no dia seguinte", conta. "Qualquer lugar, mas não lá!". Assim, Laporte levou a vida adiante. Dirigiu 18 documentários na África. Em 1999, conquistou um prêmio da Academie Française por seus poemas reunidos em "La Sublime Porte des Songes" (a sublime porta dos sonhos). Por décadas, ela manteve os esboços de Picasso em um cofre, preocupada com ladrões. Agora parece ser um bom momento para se separar deles. "Estou no final da estrada", disse.
Laporte se zanga quando se sugere que seu caso de amor com Picasso foi apenas um flerte inconseqüente, e que não tinha escala semelhante à dos amores trágicos do pintor. Ela acredita que talvez tenha sido seu último grande amor, apesar do casamento dele com Roque nos anos finais de sua vida. Mas está feliz com a maneira pela qual tudo transcorreu. "Coloquei todas as lembranças em uma caixa e as fechei", diz. "E a seguir fui cuidar de outras coisas."


Tradução Paulo Migliacci

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