São Paulo, sábado, 22 de julho de 2000 |
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Autores consideram a literatura uma causa perdida e dizem que rap fez diminuir criminalidade "A revolução tem de ser feita, pela arte ou pelo terror", diz Ferréz
RAIO-X Folha - Você teve a intenção de
registrar, em seu livro, o dialeto do
"gueto"? Folha - A violência é o foco? Ferréz - Se juntar dez maloqueiros do pedaço, a gente faz um regaço, mano. O problema é que o
povo não tem opinião formada. Lins - A relação polícia e excluídos não deu certo. É polícia matando pobre, e pobre matando polícia. Acho, ainda, que a criminalidade é muito pouca no país. Tem muito pouco bandido, comparado com a desigualdade social. Ferréz - O brasileiro é muito pacato. O cara passa fome 20 anos e
não tem coragem de roubar um
banco. Luto por uma causa, a literatura, já perdida, mano. Quantos
moleques nós vamos influenciar? Lins - Nossos livros são publicados e não vai acontecer nada. Talvez um ou dois leiam. Mas são milhões de pessoas que não lêem
jornal. Só vêem TV aberta, que é
comercial. Quem botou a cocaína
na favela foi a mídia. Ninguém conhecia a cocaína. Ferréz - Aqui também, a mídia
divulgou de graça. Ninguém conhecia o crack. Folha - O tráfico é uma força influente na favela? Lins - A vida na favela melhorou
muito depois do Comando Vermelho. Antes, havia muito estupro e roubo em ônibus. As favelas
foram reurbanizadas graças ao
Comando Vermelho. Ferréz - Fiz o livro, mas é só o começo. O sistema virou a cara, mas
quero bater do outro lado. A revolução tem de ser feita, pela arte ou
pelo terror. É mais fácil o terror,
apesar de eu acreditar na arte. O
que vier primeiro eu abraço. Folha - Vocês acreditam que vem
uma revolução por aí? Lins - A idéia folclórica do malandro esperto acabou. Agora neguinho está com ódio. Assaltaram
uma mulher, na Tijuca, levaram
tudo e mataram. Por ódio. Na favela, um moleque de 14 anos me
disse que ia matar até os 20, que,
pelas estatísticas, é a idade média
em que morre um garoto desses. Folha - O movimento rap não tenta brecar esse tipo de violência? Lins - Nas favelas do Rio, o clima
é pré-revolucionário. Para eles, a
solução é roubar e matar. Matam
para assustar. Ferréz - Tem de derrubar o muro
invisível. E os caras estão se organizando, estão falando em se unir
e ir pro centro. Não é o povo, são
os bandidos. Lins - Não vou aconselhar ninguém a ir para a guerra, mas não
aconselho ninguém a passar fome
nem a matar o vizinho. A universidade tinha de intervir, mas fica
aquele mundinho, um mostrando projeto para o outro e não sai
pra lugar nenhum, numa linguagem de jargão, européia. Eles querem ser europeus. E quem paga as
universidades somos nós. Ferréz - Não usufruímos nada. Lins - Uma simples orientação
resolveria. Não adianta. Nós vamos pra guerra. No Rio, facções
trocam tiros entre si. Ferréz - Aqui, estão surgindo
facções que se organizam. E a polícia faz parte. Lins - O pior é que um só sujeito,
no Rio, parou a cidade, com um
38. Imagina se são dois, três, com
metralhadoras. Imagina se é a Rocinha toda. Eles estão tendo consciência. O governo tem de intervir. A elite tem de tomar consciência de que é responsável por não
passar a informação. Ferréz - É responsável por eu pagar R$ 40 num livro do Fernando
Pessoa. Folha - Você aprendeu literatura
na escola? Folha - É raro o pessoal da favela
se formar? Folha - Vocês curtem samba? Lins - A raiz do samba, que foi
muito perseguido, é para comemorar a alegria, a festa. Não é um
movimento político. O samba do
Cartola é de resistência. Até que
os jornalistas levaram o samba
para a rádio. O pessoal do asfalto
passou a comprar o samba.
Quando existia só a maconha,
existia ainda o samba. Quando
começou a guerra nos morros,
nos anos 70, por causa da cocaína,
os grandes sambas acabaram. Folha - O rap é forte nos morros
cariocas? Folha - Vocês escrevem para
quem? Ferréz - É grosso e caro. Lins - Vendeu 10 mil cópias,
muito pouco. A solução é a comunidade invadir a escola. Trabalhamos muito em mutirão. Quer um
exemplo? Garanto que muita gente veio e ajudou a levantar aquela
laje (aponta para um casebre). Ferréz - Veio. Lins - Como a gente se reúne para levantar uma laje, fazer um
campo de futebol, deveríamos
nos reunir para tomar a escola,
construir bibliotecas. Ferréz - O aluno, aqui, não tem
amor pela escola. Estuda de segunda a sexta para pegar o leite. A
comunidade só participa para dar
dinheiro para a APM (Associação
de Pais e Mestres). Uma vez, fui
dar um show na minha antiga escola (Euclides da Cunha), falamos
que a escola tinha de ser aberta e
fomos proibidos de voltar lá. Lins - A escola não pode apenas
preparar mão-de-obra barata. Folha - Ferréz, o que você achou
do livro "Cidade de Deus"? Lins - As pessoas têm de ler todo
tipo de literatura. Qualquer tipo
de livro é válido. |
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