São Paulo, sábado, 22 de julho de 2000


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"JERUSALÉM: UMA CIDADE, TRÊS RELIGIÕES"
Livro percorre caminhos de uma geografia sagrada

PAULO DANIEL FARAH
EDITOR-ADJUNTO INTERINO DE MUNDO

Sagrada para cristãos, muçulmanos e judeus, Jerusalém representa o principal ponto de discórdia entre os líderes palestinos e israelenses que participam da cúpula de Camp David, nos Estados Unidos.
Nas últimas duas semanas, apresentaram-se várias propostas para o estatuto permanente da cidade da paz (forma como ela é conhecida em hebraico, "Ierushalaim", e em árabe, "Al Quds Madinatu Salam"), mas prevalece o impasse sobre seu destino.
Enquanto não se conhece o porvir de Jerusalém, sua história é tema do livro "Jerusalém: Uma Cidade, Três Religiões", de Karen Armstrong, que se propõe a desvendar um pouco do passado, desde os primeiros vestígios de povoamento na região, e da geografia sagrada jerosolimita.
Lançada pela Companhia das Letras, a obra mescla às considerações diacrônicas observações sobre o papel das religiões na sociedade contemporânea e apreciações pessoais, como a de que uma abordagem meramente racional para a resolução de divergências locais se revela estéril.
"A questão de Jerusalém é explosiva porque a cidade adquiriu status de mito. Ambos os lados do conflito e a comunidade internacional muitas vezes reclamam um debate racional acerca de direitos e de soberania, um debate livre de toda ficção emocional. Seria ótimo, se fosse possível... Na religião, a experiência sempre antecede a explicação teológica", alega a autora, que identifica passagens históricas que lhe parecem confusas.
O livro traz informações atraentes sobre Jerusalém. Diz, por exemplo, que a cidade parece ter incorporado o nome do deus sírio Shalem, identificado como o sol poente ou a estrela vespertina. Segundo Armstrong, os jerosolimitas, de origem semita, compartilhavam a mesma visão de mundo dos sírios. "Rushalimum (Jerusalém) provavelmente significa "Shalem fundou'", afirma.
A autora procura cativar o leitor e aproximá-lo dos relatos por meio de ilustrações, fotos e comentários sobre a situação atual da região. Ao explicar conflitos religiosos que a cidade testemunhou há mais de 2.000 anos, diz que "ainda hoje a religião serve de pretexto para a apropriação de territórios no Oriente Próximo".
"Os judeus de túnica ou de farda que beijavam as pedras do Muro das Lamentações, as multidões de famílias muçulmanas que, trajando suas melhores roupas, se dirigiam ao Haram al Sharif para fazer suas orações às sextas-feiras mostraram-me, pela primeira vez, o desafio do pluralismo religioso", diz a autora, cristã.
Os dois grandes templos judaicos existiram em Jerusalém, onde fica o Muro das Lamentações, local mais sagrado para os judeus.
Segundo a Bíblia, Jesus Cristo foi crucificado e sepultado (temporariamente, para os cristãos) dentro da atual igreja do Santo Sepulcro. E Jerusalém, que abriga as mesquitas do Domo da Rocha e de Al Aqsa, é a terceira cidade mais importante para o islamismo, após Meca e Medina.
Os acontecimentos de 1967, quando Israel conquista militarmente Jerusalém Oriental, ocupam um capítulo inteiro. "A conquista israelense não correspondeu a uma "reunificação" da cidade, mas a sua ocupação por um país hostil. Civis árabes haviam sido mortos... Saqueadores seguiram-se aos soldados; assaltaram mesquitas e retiraram do Museu Arqueológico da Palestina os manuscritos do mar Morto."
A demolição de casas palestinas naquela época ("619 habitantes do bairro de Magreb receberam um prazo de três horas para evacuar suas casas") é descrita como "o primeiro ato de um longo e contínuo processo de "reforma urbana" baseada na destruição da Jerusalém árabe".
Ciente do ponto de referência fundamental que Jerusalém encerra para as três grandes religiões monoteístas, a escritora apresenta uma argumentação cuja contestação parece impossível. "A cidade só pode ser santa se for também justa e compassiva com os fracos e os indefesos. Infelizmente, porém, esse imperativo moral muitas vezes cai no esquecimento. Algumas das piores atrocidades ocorreram quando a pureza de Jerusalém e o desejo de conquistar sua grande santidade precederam a busca da justiça e da caridade."


Jerusalém: Uma Cidade, Três Religiões    
Autora: Karen Armstrong Editora: Companhia das Letras Quanto: R$ 37 (549 págs.)




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