São Paulo, sábado, 22 de julho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

Crítica/coletânea

Contos recordam Rubião, o autor de "poucas palavras"

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os volumes "A Casa do Girassol Vermelho" e "O Pirotécnico Zacarias" trazem cada um 11 contos de Murilo Rubião (1916-1991).
A eles, se juntará em breve um terceiro livro, com outros 11 textos curtos. Estará, então, mais uma vez nas livrarias reunida a parcela de sua produção que o autor de poucas palavras considerava valer a pena.
De certa forma, aliás, a idéia de "poucas palavras" concentra várias características essenciais dessa obra, não apenas pela razão óbvia de Rubião ter exercido uma forma literária que busca a condensação, mas principalmente pelas regras que estabeleceu para, como diria o heterônimo pessoano Ricardo Reis, nos legar a "memória de um jogo bem jogado".
As epígrafes, por exemplo, sempre presentes, sempre extraídas da Bíblia: frases mínimas que não necessariamente antecipam ou comentam a trama que vem na seqüência, mas que, pela sua constância inalterável, criam um laço a ligar todos os contos, sugerindo uma outra história, paralela, que precisa ser narrada, ainda que essa urgência não possa nunca se efetivar.

Semelhança com Kafka
Como praticamente todos os seus críticos mencionam, os contos de Murilo Rubião lembram muito os de Kafka, seja pelas constantes metamorfoses e transformações, das quais a mais impressionante é a de "Teleco, o Coelhinho", seja por remeter aos absurdos da burocracia e de um mundo administrado, como em "O Edifício", "A Fila" ou "O Ex-Mágico da Taberna Minhota", seja por, como diz Sérgio Alcides no posfácio de "A Casa do Girassol Vermelho", em ambos é possível perceber "vestígios remanescentes de uma totalidade irremediavelmente perdida". Não há muito a fazer, não há também muito a dizer. Como afirma um personagem de "A Armadilha", "aqui ficaremos: um ano, dez, cem ou mil anos".
O silêncio seria, é claro, uma opção -foi a de alguns-, o exagero e o descontrole, uma segunda; uma e outra, sob certas condições, igualmente válidas.
Murilo Rubião optou pela contenção. E resolveu trabalhá-la no registro de um fantástico desprovido de assombro, mas que ao mesmo tempo em muitas ocasiões supõe ou indica uma expectativa, um desejo, que justifica e reconfigura o significado dessa "fala" restrita, às vezes um simples lamento, como o do já citado ex-mágico: "Por instantes, imagino como seria maravilhoso arrancar do corpo lenços vermelhos, azuis, brancos, verdes. Encher a noite com fogos de artifício. Erguer o rosto para o céu e deixar que pelos meus lábios saísse o arco-íris. Um arco-íris que cobrisse a Terra de um extremo a outro".


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
O PIROTÉCNICO ZACARIAS
    
Autor: Murilo Rubião
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 29 (120 págs.)

A CASA DO GIRASSOL VERMELHO
    
Autor: Murilo Rubião
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 29 (104 págs.)


Texto Anterior: "Fênix" já ressurgiu de dois incêndios
Próximo Texto: Vitrine - Ficção: Coelho Vermelho
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.