São Paulo, sexta, 22 de agosto de 1997.



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Músicos manipulam cobras para tocar melhor

da Reportagem Local

No blues, o mito do pacto com o diabo para aprender a tocar tem várias versões, a mais famosa imortalizada por Robert Johnson em "Crossroads".
O próprio Johnson, que morreu ainda jovem, envenenado -possivelmente por um marido traído-, teria feito um pacto desses.
Essas histórias também fazem parte do folclore em torno do violeiro.
"Os violeiros antigos acreditam que tocar é um dom de Deus. Se a pessoa não nascer com o dom, não vai conseguir tocar, a não ser que faça um trato com o demônio", conta o violeiro Roberto Côrrea.
A história de acordos com diabo em troca da própria alma é universal, mas achar alguém que tenha feito o tal pacto é um pouco mais difícil. Tanto quanto encontrar quem tenha ido a algum cemitério invocar a alma de um grande violeiro para que ele "o abençoasse", por assim dizer.
Há simpatias mais fáceis. É costume entre os violeiros enfiar um chocalho de cascavel dentro da viola.
"É para o som ficar mais bonito. E também evita mal olhado", explica o violeiro Pena Branca, o da dupla com Xavantinho.
Mas ele salienta: "o chocalho não pode ser comprado, senão não serve."
Outra história bem frequente no meio é a de que para tocar bem deve-se deixar uma cobra coral se enrolar na mão. Como todos os folclores, essa história tem várias versões. Eis uma delas:
"É preciso andar no mato várias noites, na trilha do gado. Uma noite vai ter uma cobra coral esperando. A pessoa tem que pegar a cabeça da cobra com o polegar e o indicador da mão direita. Então, é preciso deixar a cobra se enrolar nos dedos da mão esquerda, evitando que ela toque no polegar", conta Roberto Corrêa.
Depois, é preciso soltar a cobra no mesmo lugar onde ela foi apanhada.
Mas por que essa precisão em relação aos dedos? Segundo os violeiros, é porque, na mão direita, o indicador e o polegar são usados para o ponteado (um tipo de dedilhado). Na mão esquerda, a cobra não pode encostar no polegar porque, senão, ele vai querer tocar também.
Xavantinho diz que deixou o réptil se enroscar em sua mão. "Era a vontade de aprender a fazer alguma coisa. Ainda bem que o bicho era manso", ri.
Não foi o único. "Deixei a cobra passar na mão para amaciar os dedos. Mas isso não serve para aprender a tocar, não. É para os dedos ficar maduro" (sic), diz Zé Côco do Riachão, 85, que começou a tocar aos 7.
Sendo um dos mais velhos violeiros em atividade, Zé Côco admite que "perdeu a agilidade e o entusiasmo nos dedos."
Isso não significa que esteja procurando outra cobra para enrolar na mão. "A que eu passei está valendo até hoje", assegura. (LAR)


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