São Paulo, terça-feira, 22 de agosto de 2000


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MÚSICA ERUDITA
Composições de Gilberto Mendes, que criou o evento santista em 1962, estão na apresentação de hoje
São Paulo encerra Festival de Música Nova

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Com dois concertos em São Paulo, na Faculdade de Artes Santa Marcelina -com o conjunto russo Solistas de São Petersburgo, hoje, e os belgas do Het Spectra Ensemble, na quinta-, o Festival Música Nova de Santos chega a sua 36ª edição.
É uma longevidade rara na história das iniciativas culturais brasileiras. E ainda mais notável por lidar com um repertório erudito recentíssimo ou de algum momento do século 20, visto como difícil ou dissonante pelo público menos informado.
O festival, surgido em 1962, tem uma alma. É Gilberto Mendes, 77, autor de "cerca de 200 obras" -ele desconhece o número exato-, parte delas interpretada com mais frequência no exterior.
O Yahoo norte-americano traz um índice de 75 sites em que são mencionados seu nome ou suas composições.
Há uma longa história por detrás do surgimento de autores dessa forma não tão nova assim de organizar os sons. Fora do Brasil, são as pesquisas do austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951) e sua Escola de Viena, do francês Olivier Messiaen (1908-1992) e da ruptura mais radical com a harmonia baseadas na escala tonal.
No Brasil a ruptura foi outra. A chegada em 1937 do maestro e compositor alemão Hans-Joachim Koellreutter, 84, modificou a percepção da música baseada na estética nacionalista, defendida pelos modernistas de 1922, sobretudo por Heitor Villa-Lobos (1887-1959) e em seguida por Camargo Guarnieri (1907-1993).
Gilberto Mendes foi co-autor do Manifesto Música Nova (1962) e, por ser santista, instituiu em Santos o festival, este ano co-patrocinado pela prefeitura daquele município e pelo Ministério da Comunidade Flamenga (Bélgica). O evento terá, em sete concertos santistas, trabalhos de 35 compositores. Concertos e workshops com os convidados são gratuitos.
Mas o festival não é mais a trincheira estética que o marcava de início. "Ele é uma mostra da multiplicidade de linguagens que caracteriza a música de hoje", diz seu criador. Compositores como os brasileiros Henrique Oswald, o norte-americano Charles Yves ou o russo Dmitri Chostakovich têm um espaço que certamente não lhes abririam nos anos 60.
Olhar com frequência brilhante de entusiasmo, voz pausada por temperamento ou para não atrair uma nova crise de asma, Gilberto Mendes se define como "um bancário que compôs nas horas vagas". Foi, por 28 anos, funcionário da Caixa Econômica Federal.
Casado duas vezes, dois filhos, já foi objeto de uma dissertação de mestrado e uma tese de doutorado. É tema de três outros trabalhos acadêmicos em curso.
"Isso o envaidece?"
"Não gosto da palavra vaidade, nem da palavra orgulho", responde, rápido, da cadeira de balanço no pequeno apartamento em que mora, no bairro do Gonzaga.
Já lecionou no Departamento de Música da ECA-USP e nas universidades de Wiscounsin e do Texas, nos Estados Unidos. Suas partituras estão parcialmente editadas no Brasil, EUA e Bélgica.
Foi em maio último homenageado pelo Festival de Verão de São Petersburgo, com a interpretação de cinco canções e mais "Ulysses em Copacabana, Surfando com James Joyce e Dorothy Lamour", peça de câmara com muito humor e ironia, composição encomendada em 1988 pelo Festival de Patras (Grécia) e que músicos da Osesp interpretaram em julho, na Sala São Paulo, no projeto Criadores do Brasil.
Leitor do inglês Joseph Conrad (1857-1924), Gilberto Mendes aponta como os maiores músicos de todos os tempos, pela ordem, Bach, Beethoven, Mozart e Stravinsky -mas tem um apego sentimental pelo jazz e pela música cantada por Fred Astaire.

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