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São Paulo, sexta-feira, 22 de agosto de 2003

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deu a louca no MUNDO


Banda diz que "O Outro Mundo de Manuela Rosário" pode ser seu último trabalho no formato convencional de CD


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

"É grande a possibilidade de que este seja nosso último trabalho no formato CD", crava o líder do grupo pernambucano Mundo Livre S/A, Fred Zero Quatro, 41, falando sobre seu novo e independente CD, "O Outro Mundo de Manuela Rosário".
Agora se assinando só Zeroquatro, ele afirma que o formato CD cumpriu um papel histórico no século 20, mas hoje é superado. "Não vejo tanto sentido em colocar disco de música pop para vender numa loja."
A alternativa, já cogitada para o trabalho atual, seria lançar música apenas pela internet -mas foi adiada por acordo com o selo recifense Candeeiro, que lança "O Outro Mundo de Manuela Rosário", com distribuição da Trama.
Zeroquatro defende que, por essas e outras, este é o disco mais político da banda, que sempre abordou temas políticos em seus CDs rotulados como de mangue beat, como na estréia em "Samba Esquema Noise" (94). A partir dali, o Mundo Livre foi o principal veiculador do mangue, junto com Chico Science & Nação Zumbi.
"Talvez seja o mais político porque é o mais corajoso. Nele a gente mexe em algumas estruturas, comete algumas heresias conceituais", afirma.
Cita, entre as heresias, o flerte com tons jornalísticos e literários e a invenção da personagem Manuela Rosário, uma guerrilheira mexicana que frequenta várias faixas do CD. "Usamos os samplers que não são de música, mas de reportagem. O disco sai daquela esfera sagrada do pop", diz Zeroquatro, também jornalista.
Ele define a estratégia como "de risco", mas afirma que não aceitaria gravar hoje um disco que não tivesse essas características. "Fora Tribalistas, nada mais é hit radiofônico hoje."
Após período fixada em São Paulo, a banda voltou inteira para Recife após a rescisão de contrato com a Abril Music (hoje extinta) e a diminuição da agenda de shows.
"Mas é também um movimento do próprio modelo da indústria fonográfica, já não há uma região do país monopolizando todo o mercado", diz. O CD foi todo gravado e mixado em Recife.

Música e política
Defendendo que a música deve dialogar com a sociedade, "e não só acumular capital para grandes empresas", Zeroquatro perpassa as novas canções de críticas políticas e sociais.
O slogan "Outro mundo é possível", do Fórum Social Mundial ocorrido em Porto Alegre neste ano, habita o título e várias passagens do CD. Há referências antiamericanas (em "Marcha contra o Muro do Império"), objeções à moda ("Embustation - Atitude de C... É R..."), faixa sobre o 11 de Setembro ("Caiu a Ficha") e canção sobre o assassinato de um líder indígena local ("O Outro Mundo de Xicão Xukuru").
"Já comecei a receber e-mails me xingando pela música do cacique. Um adolescente fascista disse que índio é marginal."
Sobra também para a OMB (Ordem dos Músicos do Brasil): a faixa "Muito Obrigado" ataca a obrigatoriedade de registro profissional para músicos definida pela entidade. Zeroquatro afirma que nenhum dos integrantes da banda possui carteirinha da OMB. "Não tenho, nunca tive, não vou ter." A letra de "Muito Obrigado" prega que "a ordem" não é necessária para pintar, esculpir, compor, dançar, cantar -e cita como exemplos Luiz Gonzaga, Dorival Caymmi, Adoniran Barbosa, Ivone Lara, Chico Science etc.
Narrada em tom de fábula, "Muito Obrigado" contrapõe "canários" e "sabiás" com dom natural de cantar aos "urubus" que os controlam.
A Folha enviou a letra de "Muito Obrigado" ao presidente da OMB, Wilson Sândoli, para que ele a comentasse. Até o fechamento desta edição, Sândoli ainda não havia respondido.
"Já me disseram que posso ser preso a qualquer momento por não ter registro. Eu adoraria. Me daria publicidade e ia levantar de uma vez por todas essa questão da OMB", diz Zeroquatro.

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