São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 2005

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LITERATURA

Cordelista J. Borges escreve adaptação da obra de Miguel de Cervantes e faz personagem cortejar Maria Bonita

Dom Quixote enfrenta Lampião em cordel

JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL

Há quem diga ter visto Dom Quixote tomar uma curva errada lá pelas terras de Zaragoza, e calhar de aparecer, acompanhado de seu fiel escudeiro Sancho Pança, por estes lados de cá do oceano, em pleno sertão nordestino. É o mesmo que diz ter visto o engenhoso fidalgo cortejar Maria Bonita pensando que fosse sua doce Dulcinéia, e dar-se com a lança de ninguém menos que Lampião, em um multicultural embate.
Quem é que diz? O imaginoso cordelista J. Borges -mais conhecido como xilogravurista-, que neste ano adaptou o famoso texto de Miguel de Cervantes e lançou o seu "Dom Quixote em Cordel" (LGE), ilustrado pelo pernambucano Jô Oliveira, que teve a idéia. J. Borges estará na 11ª Jornada Internacional de Literatura, que começa hoje em Passo Fundo (RS), lançando o trabalho, participando do painel "Poesia e música popular" e ministrando curso e oficina de xilogravura.
O "Dom Quixote", em livro mesmo, nunca havia chegado à pequena e pernambucana cidade de Bezerros, onde mora J. Borges. Foi só quando lhe pediram a adaptação que o cordelista conheceu a obra, de que antes só ouvira falar. Porém, sua primeira impressão não foi das melhores: era grande demais. Vacilou uma e e outra vez, e acabou pedindo que lhe mandassem uma versão menor, que se adequasse mais à adaptação para cordel.
Então, quando a recebeu e leu, desta vez, sim, com grande prazer, pôs-se a trabalhar em seguida e uma estrofe que lhe sobreveio estabeleceu o dito: "Uma noite ele deitado/ Pensando em seu destino/ Pensou em seus descendentes/ Aprimorou o seu tino/ E descobriu que ele era/ Brasileiro e Nordestino". O resto da história veio ligeiro. Em uma semana, Dom Quixote já enfrentara o agreste, deparara-se com cangaceiros e monges franciscanos, indagara a todo canto por onde andava Dulcinéia, ao que tudo indica habitante de uma favela, lá da cidade de Campina Grande.
"Tinham pedido que fosse um pouco nordestino, e eu logo vi que era um universo mais ou menos parecido. Porque por aqui também tem alguns caras assim", diz o cordelista. Quem? "O Antônio Conselheiro, que saiu do Ceará e foi procurar aventura fora, chegou lá em Canudos e criou tudo aquilo. O Lampião, também, criando aqueles bandos, fazendo aquelas loucuras dele", responde J. Borges, sem perceber que talvez esteja dando a definição mais precisa para um debate que há cerca de um mês tomou alguns literatos brasileiros, quanto a quem seria o Dom Quixote nacional.
O livro foi produzido por iniciativa de Valter da Silva, dono da livraria Entrelivros, de Brasília, como homenagem a Cervantes pelo aniverário de 400 anos de sua obra. Lançado em abril com tiragem inicial de 2.000 exemplares, em julho ganhou uma tradução para o espanhol, feita por José Antonio Pérez, que também estará em Passo Fundo. Agora, informa Jô Oliveira, poderá difundir-se ainda mais: o "Dom Quixote em Cordel" acaba de entrar para a lista dos livros recomendados pelo MEC para utilização nas escolas.


Dom Quixote em Cordel
Autor:
J. Borges
Ilustrador: Jô Oliveira
Editora: LGE
Quanto: R$ 22 (44 págs.)


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