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LITERATURA
Cordelista J. Borges escreve adaptação da obra de Miguel de Cervantes e faz personagem cortejar Maria Bonita
Dom Quixote enfrenta Lampião em cordel
JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL
Há quem diga ter visto Dom
Quixote tomar uma curva errada
lá pelas terras de Zaragoza, e calhar de aparecer, acompanhado
de seu fiel escudeiro Sancho Pança, por estes lados de cá do oceano, em pleno sertão nordestino. É
o mesmo que diz ter visto o engenhoso fidalgo cortejar Maria Bonita pensando que fosse sua doce
Dulcinéia, e dar-se com a lança de
ninguém menos que Lampião,
em um multicultural embate.
Quem é que diz? O imaginoso
cordelista J. Borges -mais conhecido como xilogravurista-,
que neste ano adaptou o famoso
texto de Miguel de Cervantes e
lançou o seu "Dom Quixote em
Cordel" (LGE), ilustrado pelo
pernambucano Jô Oliveira, que
teve a idéia. J. Borges estará na 11ª
Jornada Internacional de Literatura, que começa hoje em Passo
Fundo (RS), lançando o trabalho,
participando do painel "Poesia e
música popular" e ministrando
curso e oficina de xilogravura.
O "Dom Quixote", em livro
mesmo, nunca havia chegado à
pequena e pernambucana cidade
de Bezerros, onde mora J. Borges.
Foi só quando lhe pediram a
adaptação que o cordelista conheceu a obra, de que antes só ouvira
falar. Porém, sua primeira impressão não foi das melhores: era
grande demais. Vacilou uma e e
outra vez, e acabou pedindo que
lhe mandassem uma versão menor, que se adequasse mais à
adaptação para cordel.
Então, quando a recebeu e leu,
desta vez, sim, com grande prazer, pôs-se a trabalhar em seguida
e uma estrofe que lhe sobreveio
estabeleceu o dito: "Uma noite ele
deitado/ Pensando em seu destino/ Pensou em seus descendentes/ Aprimorou o seu tino/ E descobriu que ele era/ Brasileiro e
Nordestino". O resto da história
veio ligeiro. Em uma semana,
Dom Quixote já enfrentara o
agreste, deparara-se com cangaceiros e monges franciscanos, indagara a todo canto por onde andava Dulcinéia, ao que tudo indica habitante de uma favela, lá da
cidade de Campina Grande.
"Tinham pedido que fosse um
pouco nordestino, e eu logo vi que
era um universo mais ou menos
parecido. Porque por aqui também tem alguns caras assim", diz
o cordelista. Quem? "O Antônio
Conselheiro, que saiu do Ceará e
foi procurar aventura fora, chegou lá em Canudos e criou tudo
aquilo. O Lampião, também,
criando aqueles bandos, fazendo
aquelas loucuras dele", responde
J. Borges, sem perceber que talvez
esteja dando a definição mais precisa para um debate que há cerca
de um mês tomou alguns literatos
brasileiros, quanto a quem seria o
Dom Quixote nacional.
O livro foi produzido por iniciativa de Valter da Silva, dono da livraria Entrelivros, de Brasília, como homenagem a Cervantes pelo
aniverário de 400 anos de sua
obra. Lançado em abril com tiragem inicial de 2.000 exemplares,
em julho ganhou uma tradução
para o espanhol, feita por José Antonio Pérez, que também estará
em Passo Fundo. Agora, informa
Jô Oliveira, poderá difundir-se
ainda mais: o "Dom Quixote em
Cordel" acaba de entrar para a lista dos livros recomendados pelo
MEC para utilização nas escolas.
Dom Quixote em Cordel
Autor: J. Borges
Ilustrador: Jô Oliveira
Editora: LGE
Quanto: R$ 22 (44 págs.)
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