São Paulo, sábado, 22 de agosto de 1998

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Pesquisadora encontra crônica "esquecida' de Machado de Assis

Publius Vergilius/Folha Imagem
Estátua de Machado de Assis, que fica em frente ao prédio da Academia Brasileira de Letras, no Rio, da qual Machado foi o primeiro presidente



Inédito neste século, o texto não faz parte de nenhuma das compilações de "obras completas" do autor de "Dom Casmurro"; Ilustrada publica versão integral da descoberta de Daniela Mantarro Calippo


LEONARDO CRUZ
enviado especial a Assis

Na edição do dia 1º de janeiro de 1885, o jornal "Gazeta de Notícias", do Rio de Janeiro, trazia em sua terceira página, na seção "Balas de Estalo", mais uma de suas crônicas diárias. Seria apenas mais uma de Lélio, se Lélio não fosse o pseudônimo do escritor Machado de Assis, colaborador frequente do diário carioca.
A crônica de Lélio comenta as eleições para senadores, deputados e membros das assembléias legislativas provinciais que seriam realizadas três dias depois, em 4 de janeiro de 1885. Ironicamente, o narrador teme pela pressão política que os eleitores possam vir a sofrer no dia do pleito.
Depois de impressa na primeira madrugada daquele ano, nas máquinas rotativas Marinoni utilizadas pela "Gazeta", a crônica de Machado, morto há 90 anos, foi "esquecida" por todos os estudiosos que pesquisaram sua obra e não consta de nenhuma das compilações de escritos machadianos.
Inédito neste século, o texto foi encontrado, em julho de 1996, por Daniela Mantarro Callipo, 32, professora de língua e literatura francesa do Departamento de Letras Modernas da Unesp (Universidade Estadual Paulista), no campus de Assis (cidade localizada 460 km a oeste de São Paulo).
Na época da descoberta, a professora preparava sua tese de mestrado, sobre a presença da literatura francesa nas crônicas machadianas, e foi ao Rio para estudar as edições da "Gazeta de Notícias" publicadas entre 1883 e 1886.
"Precisava ler as edições da "Gazeta' para poder entender o contexto das crônicas. Machado costumava extrair os temas abordados na seção "Balas de Estalo' do noticiário do dia", conta Daniela Mantarro Callipo.
Foi durante uma dessas tardes de leitura que Daniela encontrou o texto entre as edições microfilmadas da "Gazeta" disponíveis na Biblioteca Nacional.
Ela diz que se sentiu "perdida" quando encontrou a crônica e confirmou seu grau de ineditismo. "Não sabia o que fazer com o texto, que não tinha relação direta com minha tese. Pensei em acrescentá-lo em um apêndice, mas não faria sentido."
Seguindo o conselho de seu orientador, Gilberto Pinheiro Passos, Daniela decidiu manter o "achado" na gaveta até que sua tese estivesse pronta e fosse defendida na Universidade de São Paulo, o que aconteceu, com sucesso, em abril último.
Para a professora da Unesp de Assis, a localização da crônica de Machado na página 3 da "Gazeta de Notícias" foi o provável motivo que fez com que o texto passasse batido durante todos esses anos.
"Normalmente, a seção "Balas de Estalo' saía na página 2, e os estudiosos de Machado sabiam disso. Acredito que, depois de olharem a página e não encontrarem nada, os pesquisadores não se deram o trabalho de checar a página seguinte."
Outra possível resposta para essa questão vem de John Gledson, professor de literatura latino-americana na Universidade de Liverpool (Inglaterra) e tradutor de "Dom Casmurro" para o inglês.
Segundo ele, a causa do esquecimento pode estar na forma como eram feitas as coleções de jornais.
"Essas coleções começavam sempre no início do ano. E, em geral, devido às constantes manipulações, os primeiros exemplares do ano eram os que se estragavam primeiro", acredita Gledson.
Quanto à descoberta em si, o professor inglês demonstra surpresa: "Não é todo dia que se descobre uma obra "esquecida' de Machado de Assis. Os grandes pesquisadoras da área, José Galante de Sousa, R. Magalhães Jr. e Jean-Michel Massa, já deram conta de quase tudo".
"Quanto ao conteúdo da crônica, é obviamente machadiana", afirma Gledson, confirmando a autenticidade do texto.
Outro estudioso da obra de Machado que também confirma os elementos estilísticos da crônica é Valentim Facioli, professor de literatura brasileira da USP. "Além da uso da ironia, comum em Machado, o texto apresenta expressões tipicamente machadianas, utilizadas em seus romances."




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