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DISCO
Caixa revisa talento trágico de Elis Regina
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
"Transversal do Tempo", caixote de 21 CDs que integra a obra
de Elis Regina (1945-82) na gravadora PolyGram, vem recompor os
momentos mais relevantes da sina
trágica -e glamourosa- cumprida pela intérprete gaúcha na
história da MPB.
Trata-se de lançamento de elite.
Segundo a gravadora, a tiragem é
limitada (5.000 exemplares), e os
CDs não serão colocados avulsos à
venda. É, assim, como se permanecessem fora de catálogo aos pobres mortais, o que é uma lástima.
A quem possa derrubar cerca de
R$ 300 no pacote, "Transversal
do Tempo" é um risco no céu, explicação alinhada da tragédia de
Elis. Sim, pois tratou-se de uma
tragédia, ainda que ela atingisse
todo o reconhecimento e toda a
bajulação com que uma grande
cantora poderia sonhar. Elis foi,
ao longo de quase toda a sua carreira, uma intérprete desesperada
em busca de um compositor.
Gal Costa e Maria Bethânia, as
outras divas da época, sempre
possuíram Caetano Veloso. Elis
jamais encontrou "o" autor que
pudesse traduzir à perfeição.
Por conta disso, desandou a revelar novos nomes, de Milton
Nascimento e João Bosco a Belchior, Fagner, Ivan Lins, Renato
Teixeira e, nos últimos anos, Tunai e Guilherme Arantes.
Nenhum dos citados pôde, é óbvio, significar para Elis o que Caetano e Gil significaram para Gal,
nem o que Caetano e Chico Buarque foram para Bethânia. Essa foi
a linha trágica essencial dos passos
obsessivos de Elis. Houve tragédias menores. Após início atabalhoado -três LPs na Continental,
de uma cantora enfezada que era
meio Angela Maria, meio Celly
Campello-, Elis se viu aprisionada no rótulo de cantora de TV.
O programa "O Fino da Bossa"
foi o responsável. Mas ela também. A canção de protesto era a
voga, e, desde 64, a estrela Nara
Leão ditava regras nesse campo.
Elis era competitiva. Nara se tornou porta-voz de sambistas do
morro -Cartola, Nelson Cavaquinho, Zé Keti. Elis se avizinhou,
cooptando Jair Rodrigues, sambista popular, de auditório.
Juntos, fizeram um escarcéu,
apostando em quem gritaria mais
alto. Assim Elis não iria muito longe, ela não tardou a perceber.
Foi se esforçar por se amansar e
-veja a ironia, a nova pequena
tragédia- ajudou a descobrir moços como... Caetano e Gil. Nem supunha que os jovens que gravava
em 66 estariam, um ano mais tarde, aplicando-lhe a peça que a tornaria peça precoce de museu.
Tal peça chamou-se tropicalismo. Aí, o que parecia progressista
em Elis se transformou em franco
conservadorismo. Ela parece até
ter tentado engolir o orgulho e se
aliar ao inimigo -segundo o produtor tropicalista Manoel Barenbein, faria, em 69, disco sob a batuta do maestro Rogério Duprat,
figura-chave do movimento. Não
fez, não se sabe por quê.
Em 70, gravou inéditas de Caetano e Gil exilados em "Em Pleno
Verão...", um de seus grandes discos. Antes rotulada de nacionalista, ao mesmo tempo piscava ao internacionalismo apontado pela
tropicália, mas sob outro ângulo.
Veio integrar, meio espontaneamente, um momento de alta da
soul music no Brasil. "Como &
Porque" (69), "Em Pleno Verão..." (70) e "Ela" (71) pareciam
impetuosos discos de uma cantora
branca de alma negra.
Por um momento, parecia que
os "soulmen" Roberto e Erasmo
viriam a ser os autores por que Elis
esperava. Se houvesse se consumado, as três trajetórias teriam sido bem outras, mas, nova pequena tragédia, a Elis negra abortou.
Num instante imediatamente
posterior, Elis, enquanto desbravava a MPB meio quadrada de
Bosco e Milton, voltava a flertar
com Gil, tornando-se num lapso
-mais ironia- quase uma sambista. É "Elis" (73), outro de seus
álbuns inspirados. Ainda houve o
disco-mito "Elis & Tom" (74,
com Jobim) e "Elis" (74), ainda
da fase Gil/Milton/Bosco.
Aí, como por encanto, tudo desandou. Roberto, Erasmo e Gil
saíram de cena, Elis começou a
atirar para todas as direções. Embrenhou-se pela música campestre de Zé Rodrix, Guarabyra e Renato Teixeira, pelo neotropicalismo/neoprotesto de Fagner e Belchior, pelo soul incolor de Ivan
Lins, pela latinidade bicho-grilo
de Violeta Parra.
Pior, mergulhou na emoção que
seu estilo interpretativo provocava
nas platéias e acreditou em si mesma como cantora de pele, de alma
exposta, de lágrimas prontas a explodir a cada trinado.
Ficou -inevitável?- mal- humorada. Perdeu o poder de ironia.
Beirou a caricatura. Vestiu a carapuça de retrógrada, estacionada.
Recusou-se a evoluir em terreno
que não fosse o da técnica vocal.
Fez, enfim, a cama para se tornar
cantora daquelas que no quartinho dos fundos se chama de "chata". Talvez não fosse, mas sim
presa do trágico. Afrontou a tragédia às últimas consequências, ainda que nefastas à MPB e a ela própria. Teimosa e corajosa.
Caixa: Transversal do Tempo (21 CDs)
Artista: Elis Regina
Lançamento: PolyGram
Quanto: entre R$ 250 e R$ 300
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