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LIVROS
Historiador Sidney Chalhoub também prepara estudo sobre a vida política de Machado de Assis antes da literatura
Obra expõe luz e sombras da belle époque
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
A imagem sugerida pelo termo
belle époque evoca abundância de
riquezas, beleza arquitetônica à
européia, pessoas finas e bem-vestidas frequentando salas de
baile e óperas, uma sociedade glamourosa habitando uma cidade
moderna, republicana, ligada nos
gritos da moda parisiense. No
Brasil do final do século 19, a belle
époque caracterizou-se pelo fortalecimento político da República, o crescimento econômico e a
expansão dos centros urbanos,
em especial, o Rio de Janeiro.
Para nos introduzir nesse idílico
cenário, entretanto, o historiador
carioca Sidney Chalhoub, da Unicamp, nos arremessa aos bastidores de uma briga de bar entre trabalhadores do porto, que acaba
no assassinato de um deles por
causa de uma disputa amorosa.
"Trabalho, Lar e Botequim",
importante estudo sobre a belle
époque feito por meio da análise
de processos criminais, é relançado agora e tenta mostrar as contradições de um período em que o
surgimento de prédios modernos
conviveu com a exclusão social e a
insegurança de um poder público
municipal que custava a se impor.
Hoje, Chalhoub dedica-se a um
estudo sobre Machado de Assis.
Leia abaixo os principais trechos
da entrevista que deu à Folha.
Folha - Qual foi o tipo de documentação utilizada em "Trabalho,
Lar e Botequim"?
Sidney Chalhoub - Utilizei processos criminais de homicídios
ocorridos no Rio no começo do
século 20. Busquei atravessar essas fontes para buscar as visões
dos próprios trabalhadores sobre
os acontecimentos e experiências
que protagonizaram. Explorei um
pouco a imprensa da época, especialmente o "Correio da Manhã",
periódico que me interessou a
partir da crítica de Lima Barreto,
em "Recordações do Escrivão
Isaías Caminha", à forma como as
notícias eram "construídas" nas
redações dos jornais.
Folha - Como é a pesquisa que está fazendo agora sobre Machado
de Assis?
Chalhoub - Pesquisei a vida de
Machado como funcionário público, nas décadas de 1870 e 1880,
quando foi chefe de seção no Ministério da Agricultura. Seu departamento estava encarregado
de acompanhar questões relativas
à emancipação dos escravos e política de terras. Machado enfrentou a resistência de senhores a
tentativas do poder público em
submetê-los ao domínio da lei.
Em segundo lugar, mergulho em
seus textos para ver como abordam a experiência dos dependentes livres e escravos diante da dominação. Meu argumento é que
Machado foi um intérprete incansável do discurso político possível
aos dominados numa sociedade
ordenada pela lógica da escravidão e da dependência pessoal.
Folha - Se é assim, porque acredita que ele tenha deixado isso apenas nas entrelinhas de seus romances, preferindo centrar sua atenção
em ironizar a elite de então e até
mesmo o próprio homem?
Chalhoub - Convivo com essa
pergunta há anos. No início de
sua carreira, Machado não fazia
mistério quanto às suas preferências políticas pelo liberalismo. Liderava uma seção da administração empenhada em coibir a vontade dos senhores, perdeu a maioria das batalhas e isso foi determinante em sua literatura. Tenho a
convicção de que Machado era
servidor por ideologia, pois acreditava na necessidade de o poder
público lutar contra a barbárie
dos senhores.
Folha - Em sua opinião, como Machado encarava a literatura?
Chalhoub - Para ele, interessava
desvendar o sentido do processo
histórico, não necessariamente
evidente na observação da superfície dos acontecimentos. A representação literária desses sentidos
exigia uma narrativa mais sinuosa. Para o leitor, assim como para
o dependente -escravo, agregado ou homem livre pobre-, o
sentido dos acontecimentos não
era evidente.
Para conseguir o que queriam,
personagens como Helena ou o
agregado José Dias seguiam a
mesma metodologia em suas relações com os senhores: precisavam fazer com que fosse vontade
deles, senhores, fazer aquilo que
era objetivo deles, dependentes.
Folha - Machado atingiu seu objetivo, em sua opinião?
Chalhoub - Ele fez da metodologia dos dependentes um princípio
de arte literária. Inventou personagens, diálogos e, a partir de
"Memórias Póstumas de Brás Cubas", narradores que pareciam viver e expressar só aquilo que era
rigorosamente compatível com as
expectativas dos leitores/senhores. Ao fazer isso, realizou seu objetivo, de dizer as verdades que
bem quis sobre a sociedade brasileira do século 19.
TRABALHO, LAR E BOTEQUIM - Autor:
Sidney Chalhoub. Editora: Unicamp (tel.
0/xx/19/3788-1097, na internet: www.editora.unicamp.br). Quanto: R$ 38
(367 págs.).
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