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"GOTA D'ÁGUA"
Diretor encena fragmentos de textos de Chico Buarque e Heiner Müller comprometendo trabalho de equipe
Villela faz da peça uma impos tura kitsch
Jefferson Coppola/Folha Imagem
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Cena da montagem do texto "Gota d' Água", de Chico Buarque e Paulo Pontes, uma releitura feita pelo diretor Gabriel Villela, que está em cartaz no Tom Brasil, em SP |
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Partindo "da obra de Chico
Buarque e Paulo Pontes", Villela acumula referências. A peça
transpõe antiguidade clássica para o Rio de hoje? Situe-se a peça na
rampa do Palácio do Planalto,
com atores declamando sem se
olhar, imitando vasos gregos,
com um coro minuciosamente
coreografado como uma embalagem de luxo. A peça é de denúncia
social? Crie-se uma favela de camas hospitalares, que rouba luz
dos postes e cultua orixás sincréticos. Eurípedes propõe o arquetípico conflito entre o masculino e
o feminino? Sejam dados bacias
para as mulheres e tacos de bilhar
para os homens, e todo o subtexto
virá à tona.
O texto em si desaparece? Reincorpore-se Chico por meio de
canções extras, já que a casa é de
shows e há atrizes que cantam
bem, omitindo-se que Chico, em
peças, romances ou canções, é antes de tudo um contador de histórias. Populista demais? Acrescente a pós-modernidade de Heiner
Müller, em citações de "Medeamaterial". Alemão demais? Simulem-se coitos grotescos, em "homenagem" a Pasolini.
Perdido em meio à profusão de
direções apontadas, Villela acaba
por mostrar apenas a ponta de
seu dedo. Mesmo a intenção alegada de proselitismo social, de
"exercício cívico", logo se dispersa para poder conquistar a platéia
do Tom Brasil que, regada a uísque, aplaude cópulas e agudos. A
esse sincrético oportunismo Villela chama de "desconstrução".
Para poder usar o conceito, e
poder propor sua versão de Medéia, sem se apoiar em outros nomes, Villela precisaria conquistar
um ponto de vista próprio mais
claro. Recomenda-se então a leitura aprofundada de autores que
fazem isso, como por exemplo de
Müller em "Medeamaterial" e
Chico Buarque em "Gota d'Água"
-de preferência antes de encenar
fragmentos deles de forma dispersa, comprometendo o excelente trabalho de sua equipe.
Babaya nos arranjos vocais, Serroni no cenário são sempre competentes. Ricardo Rizzo sustenta
suas apostas em uma limpeza de
movimentos que se estrutura em
muitos anos de prática de artes
marciais, segurança que soube
transmitir ao elenco.
O mesmo não fez Villela, que
deixa o ator abandonado aos seus
próprios recursos. Desperdiça-se
assim Cleide Queiroz, que deve
sacrificar sua vivência profunda
de Joana a marcações externas e
decorativas. Jorge Emil imposta a
voz de crooner e só; e Leonardo
Diniz, já na estréia, procurava
conquistar a platéia fazendo com
a língua imitações de cobra.
A montagem poderia ser vista
como um saudável deboche iconoclasta, se o esforço de Villela
em impor sua genialidade não lhe
tolhesse o humor. Mais que uma
"desconstrução", que demanda
um maior embasamento intelectual, Villela é mais honesto ao se
inserir no universo kitsch, com
seus simulacros pífios e histérico
acúmulo de referências.
O embaraçoso é que subentende-se assim que a obra de Chico
Buarque é algo como um pinguim
de geladeira cujo valor artístico se
deve à ousadia de quem o expõe
deslocado de seu contexto. Parece
ser esse, aliás, o espírito das últimas três montagens de Villela: "A
Ópera do Malandro", "Os Saltimbancos" e essa "Gota d'Água".
Opinião não compartilhada por
quem pôde assistir às montagens
originais, ou por quem lê os textos, tendo acesso assim a uma
obra que, infelizmente, permanece distante para quem só a vê nessa "desconstrução". Ou seja:
quem jamais esquece não pode
reconhecer, quem não a conhece
não pode mais ver para crer. E isso já pela terceira vez. Cuidado
Chico: pode ser a gota d'água.
Gota d'Água
Texto: Chico Buarque e Paulo Pontes
Direção: Gabriel Villela
Com: Cleide Queiroz, Jorge Emil e outros
Onde: Tom Brasil (rua das Olimpíadas,
66, Vila Olímpia, SP, tel. 0/xx/11/3845-2326)
Quando: sex. e sáb., às 22h; dom., às 20h
Quanto: de R$ 25 a R$ 45
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