São Paulo, sábado, 22 de setembro de 2001

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"EXPERIENCE"

Martin Amis, 52, fala de suas influências e experiências pessoais

"Os críticos não perdoam a infância feliz que eu tive"

EMPAR MOLINER
DO "EL PAÍS"

A imprensa britânica já falou muito mais sobre o quanto Martin Amis ganhou com seu romance "A Informação" do que sobre o argumento do livro. O dinheiro em questão foi usado para pagar uma cirurgia dentária do autor, cujos dentes transformaram-se no ponto central de sua vida e de sua obra. O interior convulsionado e mutante de sua boca o leva a sentir-se próximo de outros dois escritores que tiveram problemas odontológicos: Nabokov e Joyce.
Filho do escritor Kingsley Amis, publicou ainda muito jovem seu primeiro livro, "Rachel Papers", e por ele recebeu o Prêmio Somerset Maugham. Como seria de esperar, seu irritante e comovente pai nunca gostou de seus livros.
Em sua casa, no número 36 da Regent's Road, somos recebidos com xícaras de chá por Isabel Fonseca, sua última mulher, que é escritora. "Vejo que estão tomando chá. Vou tomar uma cerveja. Vocês querem cerveja?". Sim. Nós lhe trouxemos uma garrafa de vinho. Ele sorri. Falamos de álcool. "Meu pai escreveu três livros sobre o álcool. Não acho bom beber enquanto se escreve. É bom beber depois. Para mim, a droga ideal para um escritor é a maconha. Mas é preciso fumá-la quando você está fazendo anotações, não durante a redação definitiva do texto. Usei maconha em todos os meus livros, porque ela ajuda o inconsciente a voar, o que é importante para escrever."

Pergunta - Fale do significado do inconsciente para o escritor.
Martin Amis -
Você escreve sobre coisas que lhe preocupam, mas tudo vem do inconsciente. Não é que você deva procurar o inconsciente -ele vai até você, e isso é inevitável. Como dizia Nabokov, "escrevendo você sente uma espécie de pulsão", uma vibração. Para escrever "Experience" eu usei meu lado consciente, é claro, porque é um livro de memórias, mas em meus romances eu deixo que o inconsciente chegue a mim.

Pergunta - Em "Experience" você fala de Israel, mas, quando escreveu o livro, a situação não tinha se agravado até o ponto de hoje.
Amis -
Fui a Israel em meados dos anos 80. É um Estado militar rodeado de países que gostariam de vê-lo desaparecer. Essa sensação exerce um efeito sobre qualquer pessoa que visite o país, porque você não pode deixar de pensar que também está rodeado de pessoas que gostariam de lhe ver morto. Suas reações se tornam extremas, nem sempre lógicas.

Pergunta - Você foi tachado de "anti-semita" por seu romance "A Seta do Tempo". É uma das muitas acusações que já lhe foram feitas: machista, homófobo etc.
Amis -
Escrevi um conto chamado "Narrativa Hetero", no qual se supunha que o "normal", o "correto", era ser gay [o conto está no livro "Água Pesada"". Esse conto não era homófobo -pelo contrário, nele se falava do absurdo de as pessoas perguntarem sobre a "narrativa gay". Quando publiquei "Money", me acusaram de ser machista, mas o machista era o personagem principal do livro, não eu. Só uma pessoa estúpida confunde o protagonista com o autor, mas acho que às vezes há uma minoria de leitores que são tão politizados que não conseguem se interessar pela qualidade literária, pela liberdade do autor.

Pergunta - Para o público não britânico, ainda é um pouco estranho que os escritores virem notícia pela quantia de dinheiro que cobraram por um romance.
Amis -
Nunca me perdoaram pelo fato de, sendo filho de Kinsgley Amis, eu ter me dedicado a escrever. É como se, por ser filho dele, eu estivesse geneticamente programado para escrever. Isso é mentira. Tive uma infância privilegiada. Aos cinco anos de idade, eu ficava sentado no colo dos melhores escritores do mundo. Passava as férias de verão na casa de Robert Graves, em Mallorca. O que uma pequena minoria de críticos não me perdoa, em "Experience", é a infância feliz que tive. Quanto à minha boca, não foi uma operação estética. Foi um implante de osso de vaca, a extração de um tumor, colocação de próteses... uma obsessão ridícula sobre a qual só escrevo porque aconteceu comigo.

Pergunta - Alguns escritores dizem que se deve escrever como se a sombra do escritor que admiramos estivesse atrás de nós, lendo cada uma de nossas palavras.
Amis -
Nesse caso teria que ser a sombra de Saul Bellow, sem dúvida, e de Nabokov. Eu acharia ótimo que eles estivessem atrás de mim, mas acho que, em última análise, você tem que aprender a ser você mesmo. Tem que gostar de você mesmo. Acho que um escritor é feito de três escritores: o inocente, o corriqueiro e o literário. Se você não tiver os três, não será um romancista completo.


Tradução Clara Allain


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