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LIVROS/LANÇAMENTOS
"EXPERIENCE"
Martin Amis, 52, fala de suas influências e experiências pessoais
"Os críticos não perdoam a infância feliz que eu tive"
EMPAR MOLINER
DO "EL PAÍS"
A imprensa britânica já falou
muito mais sobre o quanto Martin Amis ganhou com seu romance "A Informação" do que sobre o
argumento do livro. O dinheiro
em questão foi usado para pagar
uma cirurgia dentária do autor,
cujos dentes transformaram-se
no ponto central de sua vida e de
sua obra. O interior convulsionado e mutante de sua boca o leva a
sentir-se próximo de outros dois
escritores que tiveram problemas
odontológicos: Nabokov e Joyce.
Filho do escritor Kingsley Amis,
publicou ainda muito jovem seu
primeiro livro, "Rachel Papers", e
por ele recebeu o Prêmio Somerset Maugham. Como seria de esperar, seu irritante e comovente
pai nunca gostou de seus livros.
Em sua casa, no número 36 da
Regent's Road, somos recebidos
com xícaras de chá por Isabel
Fonseca, sua última mulher, que é
escritora. "Vejo que estão tomando chá. Vou tomar uma cerveja.
Vocês querem cerveja?". Sim. Nós
lhe trouxemos uma garrafa de vinho. Ele sorri. Falamos de álcool.
"Meu pai escreveu três livros sobre o álcool. Não acho bom beber
enquanto se escreve. É bom beber
depois. Para mim, a droga ideal
para um escritor é a maconha.
Mas é preciso fumá-la quando você está fazendo anotações, não
durante a redação definitiva do
texto. Usei maconha em todos os
meus livros, porque ela ajuda o
inconsciente a voar, o que é importante para escrever."
Pergunta - Fale do significado do
inconsciente para o escritor.
Martin Amis - Você escreve sobre
coisas que lhe preocupam, mas
tudo vem do inconsciente. Não é
que você deva procurar o inconsciente -ele vai até você, e isso é
inevitável. Como dizia Nabokov,
"escrevendo você sente uma espécie de pulsão", uma vibração. Para escrever "Experience" eu usei
meu lado consciente, é claro, porque é um livro de memórias, mas
em meus romances eu deixo que
o inconsciente chegue a mim.
Pergunta - Em "Experience" você
fala de Israel, mas, quando escreveu o livro, a situação não tinha se
agravado até o ponto de hoje.
Amis - Fui a Israel em meados
dos anos 80. É um Estado militar
rodeado de países que gostariam
de vê-lo desaparecer. Essa sensação exerce um efeito sobre qualquer pessoa que visite o país, porque você não pode deixar de pensar que também está rodeado de
pessoas que gostariam de lhe ver
morto. Suas reações se tornam extremas, nem sempre lógicas.
Pergunta - Você foi tachado de
"anti-semita" por seu romance "A
Seta do Tempo". É uma das muitas
acusações que já lhe foram feitas:
machista, homófobo etc.
Amis - Escrevi um conto chamado "Narrativa Hetero", no qual se
supunha que o "normal", o "correto", era ser gay [o conto está no
livro "Água Pesada"". Esse conto
não era homófobo -pelo contrário, nele se falava do absurdo de as
pessoas perguntarem sobre a
"narrativa gay". Quando publiquei "Money", me acusaram de
ser machista, mas o machista era
o personagem principal do livro,
não eu. Só uma pessoa estúpida
confunde o protagonista com o
autor, mas acho que às vezes há
uma minoria de leitores que são
tão politizados que não conseguem se interessar pela qualidade
literária, pela liberdade do autor.
Pergunta - Para o público não britânico, ainda é um pouco estranho
que os escritores virem notícia pela
quantia de dinheiro que cobraram
por um romance.
Amis - Nunca me perdoaram pelo fato de, sendo filho de Kinsgley
Amis, eu ter me dedicado a escrever. É como se, por ser filho dele,
eu estivesse geneticamente programado para escrever. Isso é
mentira. Tive uma infância privilegiada. Aos cinco anos de idade,
eu ficava sentado no colo dos melhores escritores do mundo. Passava as férias de verão na casa de
Robert Graves, em Mallorca. O
que uma pequena minoria de críticos não me perdoa, em "Experience", é a infância feliz que tive.
Quanto à minha boca, não foi
uma operação estética. Foi um
implante de osso de vaca, a extração de um tumor, colocação de
próteses... uma obsessão ridícula
sobre a qual só escrevo porque
aconteceu comigo.
Pergunta - Alguns escritores dizem que se deve escrever como se a
sombra do escritor que admiramos
estivesse atrás de nós, lendo cada
uma de nossas palavras.
Amis - Nesse caso teria que ser a
sombra de Saul Bellow, sem dúvida, e de Nabokov. Eu acharia ótimo que eles estivessem atrás de
mim, mas acho que, em última
análise, você tem que aprender a
ser você mesmo. Tem que gostar
de você mesmo. Acho que um escritor é feito de três escritores: o
inocente, o corriqueiro e o literário. Se você não tiver os três, não
será um romancista completo.
Tradução Clara Allain
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