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São Paulo, segunda-feira, 22 de setembro de 2003

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Romance vê país entre riso e agonia

ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

"O Riso da Agonia", de Plínio Cabral, é uma narrativa das entrelinhas históricas feita em entrelinhas literárias. O que se vislumbra por sob o texto deste romance escrito por um morto é o movimento subterrâneo da tentativa de estruturação socialista no país.
Para traduzir os murmúrios dessa história, o autor criou um protagonista especialista em "ruidologia", ciência capaz de catalogar os ruídos do entorno.
"A ruidologia pode se transformar em ciência ou, quem sabe, em religião. As religiões, na hora do desespero, proliferam. Além disso, o silêncio é perigoso. O torturador está sempre gritando: "Fala!". Um ruidólogo ainda pode distinguir o que resta de vida neste planeta, separando sons", diz Cabral, 77, há 30 em São Paulo.
Esse tom irônico domina o romance desde a primeira linha: "Eu morri no dia 23 de setembro de 1999". "A fala do morto é definitiva. Hoje vivemos na era dos desmentidos. O morto tem mais credibilidade", afirma o escritor.
Ao criar um "defunto autor" ou "autor defunto", Cabral envereda por uma forma de expressão da sociedade nacional já determinada no século 19 na literatura de Machado de Assis ("Memórias Póstumas de Brás Cubas"). A liberdade advinda da morte permite a tradução dos limites sobre o qual o social se estrutura. Neste romance, entre o riso e a agonia.
"Somos um povo que alterna riso e agonia a cada quatro anos, basta olhar o processo eleitoral: vota-se numa esperança que logo se transforma em desespero... Rimos para não chorar e isso expressa o caráter de um povo que se recusa a perder a esperança."
Contando sua vida quando esteve preso a uma cama à beira da morte, o ruidólogo do livro percebe os movimentos em sua casa enquanto relata os anos em que fazia parte dos movimentos sociais nascentes. Garoto sem muito conhecimento dos fatos, aos poucos o narrador vai sendo tragado pela clandestinidade.
"Os movimentos sociais iniciam-se e, depois, adquirem vida própria. Terminam conduzindo seus idealizadores. Os movimentos políticos no Brasil são incompletos. Nunca se concluem."
Advogado especialista em direito autoral, Cabral possui alguns títulos técnicos no mercado. "Às vezes saio da realidade jurídica para o sonho do romance", diz.
Em "O Riso e a Agonia", "o tema partiu da observação do choque gerado em torno das pequenas coisas. Há conflitos, às vezes mortais, causados por fato pequeno, minúsculo, insignificante. O apego a pequenas coisas, a costumes arraigados que traduzem o exercício do poder mostra que o ser humano vive, ainda, uma etapa primitiva do ter e do poder. E o poder, no caso, expressa-se por ele mesmo, pela afirmação do mando, seja num império, seja num quarto e sala".


O RISO DA AGONIA. De: Plínio Cabral. Editora: Escrituras. Quanto: R$ 20 (144 págs.).


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