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"Querida Helena" reflete a falta de ética
DA REPORTAGEM LOCAL
Aniversário da professora.
Quatro alunos do último ano do
ensino médio vão até a casa dela.
Levam sorrisos, flores, taças de
cristal e champanhe.
Não tardará, dirão realmente a
que vieram, em meio às fatias de
bolo que a professora de matemática lhes oferece, enternecida.
Querem, a todo custo, notas máximas nas provas de exame final.
Essa tentativa de aliciamento
em "Querida Helena", peça inédita por aqui da autora russa Ludmila Razumovskaia, coloca em
xeque a mítica relação professor-aprendiz e calha com o mal-estar
do Brasil contemporâneo atulhado em notícias de corrupção.
A montagem estréia amanhã no
teatro Aliança Francesa, em São
Paulo. O diretor Iacov Hillel conheceu a peça no ano passado, na
França. Foi atraído pelo embate
de nova e velha gerações em diálogos que associa ao talho de um
Tchecov, um clássico da dramaturgia russa que não costuma
adotar propriamente um protagonista em suas histórias.
Razumovskaia (1949) escreveu
o texto em 1981, sob encomenda
do Ministério da Cultura da extinta URSS. Dois anos depois, foi
censurado por causa do tom realista que ofuscou o otimismo almejado pelo governo comunista.
Os estudantes, três rapazes e
uma garota, são desmedidos em
suas ambições. Imorais, esperam
o futuro para ontem. Basta subornar a professora para abrir o cofre
com as provas e pespegar a nota
dez que precisam para ascender
em suas vidas pequeno-burguesas. Um dos rapazes julga-se tão
genial quanto um Dostoiévski, tal
cérebro herdeiro de certa intelectualidade russa (interpretado por
Alan Medina). Outro, filho de político, quer estudar relações internacionais (Theodoro Cochrane).
O terceiro, inclina-se para a
poesia e padece da degenerescência familiar por causa do alcoolismo, a embriaguez russa (Cássio
Inácio). Já a garota (Clarissa Kiste) tenta fugir do modelo da mãe,
bibliotecária que trabalha como
faxineira para comprar as roupas
da filha. Na peça, a aluna faz contraponto ao discurso feminino da
moral e bons costumes da professora Helena (Eliana Guttman).
"Ela tem a compreensão e ao
mesmo tempo muita força para
defender o que é correto, conforme tudo que lhe foi ensinado", diz
Guttman, 51. "É um espetáculo
que condiz com o que estamos vivendo politicamente no Brasil, a
luta pela ética", diz Hillel, 56.
O próprio encenador conhece o
ofício de professor: deu aula para
o seu elenco na Escola de Artes
Dramáticas da USP, com exceção
de Inácio. A tradução de "Querida
Helena", direta do russo, é assinada pela escritora Tatiana Belinky.
José de Anchieta concebeu o cenário de tintas simbolistas para a
casa na qual se passa o drama dividido em dois atos.
(VS)
Querida Helena
Quando: estréia amanhã, às 21h30; sex.,
às 21h30; sáb., às 21h; e dom., às 20h. Até
27/11
Onde: teatro Aliança Francesa (r.
General Jardim, 182, centro, SP, tel. 0/xx/
11/3129-5730)
Quanto: R$ 30
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