São Paulo, sexta-feira, 22 de setembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"O Diabo Veste Prada"

"Diabo" abranda cinismo sobre moda

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE MODA

Muitos filmes já foram feitos abordando o universo da moda ou das modelos. Alguns têm status de clássicos do cinema, como "Blow Up - Depois Daquele Beijo", de Michelangelo Antonioni, e "Quem É Você, Polly Magoo", de William Klein.
Coincidentemente, os dois são de 1966 e pioneiros que vislumbraram como a cultura ocidental imergia cada vez mais no espetáculo, no narcisismo, no voyeurismo e na exploração midiática da mulher.
Quarenta anos depois, 2006 será conhecido como o ano em que a moda voltou com força ao cinema. Ela comparece em "Zuzu Angel", de Sérgio Rezende, é a chave para a compreensão de "Maria Antonieta", de Sofia Coppola, e o tema da comédia "O Diabo Veste Prada", dirigido por David Frankel. Todos eles explicitam como a moda pode ser um recurso "político" das mulheres para se imporem em um ambiente antagônico a elas.
"O Diabo" é a história de uma jovem jornalista, Andy Sachs (Anne Hathaway), que sonha em trabalhar em revistas intelectualizadas. Como não consegue, ela se arruma na poderosa revista fashion "Runaway", dirigida pela tirânica Miranda Priestly (Meryl Streep).
Mulher forte e determinada, Miranda coloca todos aos seus pés para servi-la como escravos voluntários. Andy sofre o pão que o Diabo amassou, mas cai na armadilha do glamour.
O filme foi inspirado no best-seller homônimo de Lauren Weisberger, de teor autobiográfico, pois a própria autora trabalhou na "Vogue" americana como secretária de Anna Wintour, que teria inspirado o personagem de Miranda.
Escrito numa prosa convencional, o livro, apesar disso, faz um retrato irônico e impiedoso do mundo fashion, expondo muitas de suas ridicularias. O filme, embora divertido, é bem menos cínico. E chega a ser curiosamente edificante. Com Miranda, Andy descobre como a ambição se impõe à vida, o trabalho se impõe ao desejo e como ela pode se sobressair no mundo pós-feminista.
Miranda, de mulher-diabo, transforma-se no decorrer da trama em um modelo de perseverança e de resistência. E a moda, para o filme, resulta menos num alvo de ataques e mais num ambiente narrativo propício para ensinar às garotas lições de maquiavelismo. Frankel é um diretor apenas mediano, além de muito previsível do ponto de vista moral e cinematográfico -o que fica particularmente claro a partir da pífia seqüência de Paris até o final. Seria preciso um realizador mais perverso para extrair do livro a carga de rebeldia que ele, bem ou mal, contém.
Não fosse pela presença de Meryl Streep, "O Diabo" tombaria no marasmo. Com as suas sutilezas de uma lady, as severidades de uma puritana e os espasmos de uma sádica, Streep reúne as contradições do feminino que o filme precisa -e outras mais, que ela acrescenta, diabolicamente talentosa.


O DIABO VESTE PRADA    
Direção: David Frankel
Produção: EUA, 2006
Com: Anne Hathaway, Meryl Streep
Quando: em cartaz no Bristol, Iguatemi Cinemark e circuito


Texto Anterior: Crítica/"Morro da Conceição": Documentário retrata "ilha de tempo" carioca
Próximo Texto: Opinião: Figurinos poderiam ser mais ousados
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.