São Paulo, terça, 22 de setembro de 1998

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ARTES PLÁSTICAS
Artista plástico mineiro, morto em 1996, ganha mostra de seus mórbidos "assemblages" na Nova Galeria
Farnese de Andrade ressuscita hoje em SP

CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local

Barroco, dadaísta, surrealista, metafísico. Farnese de Andrade (1926-1996) foi de tudo um pouco. E, aos poucos, vem correndo o risco de vir a não ser nada.
A primeira afirmação é comprovável com a simples observação da rica produção do artista plástico mineiro, que ressuscita novamente hoje, em mostra na Nova Galeria, a partir das 20h.
A segunda afirmação é o que ainda tenta parte da história da arte brasileira. Farnese de Andrade não foi incluído, por exemplo, entre as centenas de artistas que compuseram a Bienal Brasil Século 20, em 1994. Havia participado de quatro edições anteriores da Bienal.
Também está fora da 24ª edição do evento, este ano, que tem como conceito norteador a antropofagia, elemento formador da identidade cultural e artística brasileira. Logo o artista mineiro, que construiu seus objetos, caixas e oratórios a partir da canibalização da tradição religiosa do barroco mineiro, da cultura brasileira dos ex-votos e de linguagens artísticas internacionais (como a pintura metafísica e o dadaísmo, ambos com salas especiais no evento).
Que não caiba tudo em uma Bienal, como já ressaltou o curador Paulo Herkenhoff, isso é certo, mas o conceito antropofágico tem sido encarado de uma forma um tanto quanto elástica, o que dificulta ainda mais a compreensão do porquê da exclusão do artista, que já teve obra comprada até pelo MoMA de Nova York.
Mas, obcecado pela morte como era, mesmo depois dessas tentativas de morte, Farnese está de volta e em forma, como provam as peças em exposição, nem todas à venda.
São caixas, gamelas, armários e oratórios, construídos a partir da reunião de objetos díspares, como imagens religiosas, cabeças de bonecas, ovos de madeira de costura, bases de castiçais, balas de fuzil, fotografias, ossos de peixe e toda sorte de resíduo da civilização.
São estranhos "assemblages" com velhos objetos comprados ou recolhidos pela rua ou na praia.
São combinações que trafegam entre o lírico e o mórbido, entre o desejo de morte e uma obstinada tentativa de criar novos seres ou preservar a vida (uma possível hecatombe nuclear era uma das preocupações do artista, que a demonstrou em obras como "Hiroshima", presente na mostra).
Aprisionadas em caixas, redomas, vidros hospitalares ou resina, seus seres fragmentados são ainda a representação daquele que é, segundo ele, o ideal da condição humana. "O estado ideal é a solidão", disse em vídeo que será exibido hoje no vernissage.
Suas obras são, em verdade, retratos de sua própria condição humana: complexa, obscura, angustiada e depressiva (morreu intoxicado pelo uso de antidepressivos, como lítio).
Farnese trabalha com imagens religiosas, mas sempre de maneira sacrílega, colocadas de cabeça para baixo ou aprisionadas em resina.
Homossexual e sem esperanças em relação ao mundo, não via sentido na idéia de ter filhos. Suas bonecas de plástico aparecem sempre fragmentadas ou calcinadas com velas.
Os órgãos sexuais -masculinos ou femininos- são outra constante em sua obra, mas geralmente desprovidos de seus papéis reprodutor e erótico e aparecem presos em armários ou isolados sobre mesas, como que santos em altares para devoção.
²

Mostra: Farnese de Andrade (desenhos e "assemblages") Onde: Nova Galeria (r. Estados Unidos, 1.581, tel. 011/3064-9496) Vernissage: hoje, às 20h Quando: de segunda a sexta, das 11h às 19h; sábado, das 11h às 15h Quanto: de US$ 3.000 a US$ 10.000


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