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O projeto ética do Ira!
Banda volta ao mercado, depois de período independente, com "Isso É Amor", disco dedicado a reinterpretações de artistas e grupos mal adaptados ao sistema fonográfico
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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
São 18 anos de carreira, desde o
estouro da geração rock no Brasil
dos anos 80, passando pela decadência relativa no início dos 90,
até chegar à revalorização anunciada nos novos dias. Ponta ética
de todas essas ondulações, a banda paulistana Ira! reemerge envolta, uma vez mais, num projeto
de explícitos contornos éticos.
"Isso É Amor", seu nono álbum,
é o primeiro empreendimento revisionista do quarteto, mas foge
pela tangente ao reinterpretar
canções de um elenco disforme,
mas quase homogêneo em quesitos extramusicais.
Regravando, por ordem alfabética, Dalto, Gang 90, Legião Urbana, Julinho da Adelaide (na verdade Chico Buarque, escondido
sob pseudônimo nos 70 para fugir
à censura), Lô Borges, Lobão, o
espanhol Ray Heredia, Ritchie,
Ronnie Von, Tim Maia e Wander
Wildner (ex-líder da banda gaúcha Replicantes) -além do próprio Ira! e de seu guitarrista, Edgard Scandurra, em fase solo-, a
banda opta por um circuito de artistas ou circunstâncias de inadequação às pressões e aos esquemas do mercado fonográfico.
"É um disco de autores não óbvios, como Ritchie, Dalto, Lô Borges, Lobão", define o vocalista
Nasi. Eles admitem uma marca
ética nas escolhas. Edgard: "Na
axé 99% é chato, no pagode também, até no rock 99% é chato. A
gente vai ficar de fora? Podemos
brigar com esses merdas, colocar
um pouco de dignidade nisso".
Tenta exemplificar: "Ritchie
tem uma história nebulosa que o
fez sumir do mapa após um sucesso gigantesco. Algo de podre
aconteceu, queimou o filme dele.
Só o fato de ele dar um basta na
música e estar fazendo sites chocantes o deixa nesse caminho".
""Sentado à Beira do Caminho",
embora seja de Roberto e Erasmo
Carlos, é do Erasmo, do repertório dele", diz Nasi, justificando a
presença do "rei". Edgard se mete: "Sou fã dele, já pedi mil vezes
-embora nunca tenha falado
com ele- que volte a fazer rock".
Passando pelo crivo ético, dizem que houve, sim, vetos a autores -que eles não mencionam.
Entre os testados, que acabaram
sobrando na seleção das faixas,
enumeram Secos & Molhados,
Zélia Duncan, Guilherme Arantes, Wanderléa e até Lulu Santos.
Adequam os convidados, Fernanda Takai e Samuel Rosa, ao
perfil ético. "São legais, não rola
estrelismo. Se fossem estrelas não
participariam", diz Edgard.
Para voltar ao grande mercado
-os dois discos anteriores o Ira!
só pudera lançar por via marginal
às grandes gravadoras-, o grupo
pendeu entre duas gravadoras
"emergentes" situadas em São
Paulo, Abril e Trama.
Venceu a primeira -a mesma
que capitaneia a estratégia de relançar bandas dos 80 como Ultraje a Rigor e Capital Inicial-, porque, segundo a banda, a Trama
não dispunha de cronograma para colocá-los em estúdio e queria
um disco ao vivo, talvez acústico.
"Nos encontrávamos numa encruzilhada de execução limitada
da nossa música, e queimando os
clássicos do Ira! estaríamos de novo nesse mesmo roteiro", diz o
baterista André Jung.
Embora a Abril venha adotando
perfil comercial/popular, o projeto, após um desinteresse inicial e,
em seguida, o relativo sucesso de
Ultraje a Rigor e Capital Inicial,
foi aceito sem restrições. Com Ritchie e Roberto no cardápio, a gravadora optou pela pouco conhecida "Bebendo Vinho", de Wildner, como faixa de trabalho.
"A única interferência foi em
"Telefone", da Gang 90. Íamos fugir mais do original. João Augusto, o diretor artístico, falava que
estávamos mexendo muito com a
música de um cara que nem está
mais vivo. No fim, ficou a preferida de todo mundo", diz Edgard.
"Houve interferência da gravadora logo no começo, de excluir o
underground paulista do repertório", desmente o baixista Ricardo
Gaspa. "Admitirmos alguma interferência é um sinal de amadurecimento. Antigamente não concordaríamos com nenhuma sugestão", entra Nasi.
André retorna: "Não houve nenhuma zona de atrito, foi bom para nós. Numa grande gravadora,
entraríamos para ser a sexta, a sétima banda. Aqui, somos tratados
como prioridade".
"É o tratamento que a gente merece há muito tempo", completa
Edgard. "Mas isso aconteceu mais
após eles conhecerem o resultado
do disco", interpõe Gaspa.
A volta ao mercado parece entusiasmar a banda. "É a reconquista de um espaço que pertence
à gente. No monte Olimpo da
MPB há um lugar para o Ira!, e a
gente nunca tentou nem escalar.
Se o comercial ao extremo está
dominando, cabe a nós, banda de
rock, brigar de igual para igual
com esses outros artistas. É a vez
do Ira!", segue Edgard.
Falando em comercialismo, a
banda recua em relação a "Você
Não Sabe Quem Eu Sou" (98), álbum que se embrenhou em áreas
da eletrônica que têm interessado
especificamente a Edgard.
"A recepção do público àquele
disco me deixou decepcionado. A
facção xiita dos fãs foi dose, a ponto de pessoas saírem no meio do
show achando que viramos tecno", relata Edgard. "Talvez agora
saiam do show quando ouvirem
Ritchie", brinca Nasi. "Depois dos
flamencos que Edgard nos fez ouvir, aqueles bate-estacas são até
relaxantes", provoca André.
Na conclusão, a banda não foge
da raia de se comparar aos companheiros de geração Titãs, prestes a lançar "As Dez Mais", com
Mamonas Assassinas (música de
trabalho), Legião, Roberto e Erasmo, Lulu Santos, Ultraje a Rigor,
Mutantes, Inocentes, os portugueses Xutos e Pontapés, Raul
Seixas e Tim Maia no cardápio.
"Isso é clássico de banda de
rock, é normal fazermos mais ou
menos ao mesmo tempo. Foda-se, vai ser a volta da rivalidade entre Ira! e Titãs", diz Nasi.
"Eles são uma empresa. Nossa
ambição é menor, mostrar nossa
cara de novo ao Brasil", termina
André, um ex-titã. Ao ringue.
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