São Paulo, terça-feira, 22 de outubro de 2002

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26ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO

Documentário premiado revela como uma vítima da Candelária se transformou no sequestrador de um ônibus no Rio; caso terminou com duas mortes televisionadas em 2000

Ônibus 174 tragédia de erros

Divulgação
Cena de "Ônibus 174", que tem exibição hoje


IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Há três semanas, quando estreou no Festival do Rio BR, o novo filme da dupla José Padilha e Marcos Prado causou certo choque. Os espectadores saíam do cinema com cara de terem sido atropelados por um ônibus. E de fato foi o que aconteceu. O documentário "Ônibus 174" foi premiado como o melhor do festival carioca e estréia hoje na 26ª Mostra BR de Cinema de São Paulo.
O filme de duas horas e meia conta a história do sequestro que ficou conhecido como ônibus 174, em 12 de junho de 2000, na rua do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Sandro Rosa do Nascimento, 21, fez dez reféns e ameaçou matá-los durante quatro horas. O caso terminou com a morte do sequestrador e de uma das reféns, Geísa Gonçalves, 21, tudo bem documentado pelas câmeras de TV.
Paralelamente ao sequestro, Padilha narra a história pessoal de Sandro Rosa do Nascimento. Menino de rua que viu a mãe ser degolada na sua frente, ele foi um dos sobreviventes da chacina da Candelária, em 93, quando oito meninos de rua foram mortos a tiros por policiais cariocas.
Dirigido por Padilha, 35, e produzido por ele e Marcos Prado (a dupla já trabalhou junta em "Os Carvoeiros" e "Os Pantaneiros"), o documentário parte de 20 horas de gravação das emissoras e de 25 entrevistas para mostrar uma série de erros da polícia, indecisões das autoridades governamentais e acesso irrestrito das equipes de TV ao local.
É como diz o ex-policial militar e mestrando em sociologia Rodrigo Pimentel, um dos entrevistados: "Toda a fragilidade de uma nação aparece numa situação com reféns." Leia abaixo entrevista com o diretor.

Folha - Uma polêmica possível é que o filme defende Sandro do Nascimento. Você concorda com isso?
José Padilha -
Respondo essa questão com uma pergunta. Defende ele de quem?

Folha - Do fato de ele entrar em um ônibus, ameaçar pessoas e uma delas acabar morta.
Padilha -
É, com certeza. Mas eu acho que existe uma diferença entre defender e explicar. O filme explica a história da vida do Sandro de uma maneira que você entende o que levou ele a se comportar daquela maneira. Se você der à explicação um cunho justificativo, pode-se imaginar que o filme está defendendo o Sandro. Mas eu não acho que explicar seja justificar. Acho o seguinte: o fato de as pessoas me perguntarem isso fala mais sobre as pessoas que perguntam do que sobre o filme.

Folha - Então você não acha que o filme o defende?
Padilha -
O Sandro na Candelária é uma vítima. Eu não preciso defendê-lo. O Sandro no ônibus é um algoz. Claramente culpado de ter feito pessoas reféns, feito pessoas sofrerem, de ter ameaçado pessoas com uma arma e de ter, no final das contas, matado uma pessoa. Ele é culpado desse fato.

Folha - E quem você considera culpado pela morte de moça?
Padilha -
O culpado direto é o Sandro. Mas e o fato de a polícia não ter feito tiro de longa distância quando era o momento correto? Ou o fato de o policial ter errado o tiro nele e acertado nela? Isso os faz culpados da morte da Geísa? Na minha opinião, não. Talvez seja suficiente para imputar responsabilidades. Várias pessoas são responsáveis pela morte da Geísa. Mas responsável é uma coisa, culpado é outra.

Folha - Falando em responsabilidade, o filme mostra o palácio do governo do Estado do Rio e deixa claro que a polícia não agia porque esperava ordens do governador. O governador era Garotinho. Por que o filme não diz isso?
Padilha -
Uma das preocupações do filme foi não personificar os erros. Não procuramos o policial que errou o tiro, por exemplo. Não nos focamos no comandante da PM que atuou ali. A gente acha que o que aconteceu no 174 são erros institucionais. Se eu foco nessas pessoas, eu estou personificando, dizendo que a culpa é deles. Quando, na verdade, não acho que é isso que acontece. A segurança pública é mal administrada no Rio de Janeiro de longa data.

Folha - Há patrocínio do governo do Estado do Rio em "Ônibus 174"?
Padilha -
Não. Só da Rio Filmes, que é uma empresa da prefeitura. O governo do Estado deixou que a gente falasse com alguns policiais, mas só depois que a Benedita entrou. Tem um policial que fala mascarado, porque foi gravado na época do Garotinho. O que já diz alguma coisa.


Veja programação completa em www.folha.com.br/especial/2002/mostrabrdecinema

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