São Paulo, quinta-feira, 22 de novembro de 2001

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LIVRO/LANÇAMENTO

A alma das ruas parisienses

Em "O Flâneur", Edmund White mostra uma cidade pouco familiar aos leitores

Remy de la Mauviniere/Associated Press
Vista da torre Eiffel do alto da catedral de Notre Dame, em Paris cidade que é tema de "O Flâneur"


RODRIGO MOURA
DA REDAÇÃO

O escritor americano Edmund White viveu por 15 anos em Paris, opção que remonta à geração do modernismo dos anos 20, quando autores como Ernest Hemingway fizeram da capital francesa seu lar, fugindo do puritanismo e provincianismo de seu país e da proibição à bebida -e se aproveitando da condição de capital das artes que a cidade ostentava.
A vida literária parisiense e sua relação com o elemento estrangeiro são alguns dos temas que White aborda em "O Flâneur -°Um Passeio pelos Paradoxos de Paris", lançamento da série "O Escritor e a Cidade", da Companhia das Letras, que ainda vai reservar volumes ao Rio (Ruy Castro) e a Havana (Pedro Juán Gutiérrez).
Construído entre guia afetivo e ensaio, o livro se apropria do flâneur para revelar a alma das ruas parisienses. Trata-se de figura tematizada por Baudelaire, que vaga pelas ruas da cidade moderna em busca de uma espécie de devir. White é o mais importante biógrafo de Jean Genet e ficcionista, autor de "Um Jovem Americano" (Siciliano) e de mais uma dezena de romances.

Folha - Como o flâneur lida hoje com a cidade, um tema em mutação de tempo e espaço?
Edmund White -
Acredito que o "flâneur", mais que qualquer outro tropo do século 19, ainda é um tema literário fértil por se tratar de um princípio aleatório. O "flâneur" não se programa para fazer nada ou ver nada. Ele (ou ela) reconhece o chamado do imprevisto e emerge na vastidão da cidade multicultural. Não queria lidar com a Paris do "high fashion", das viúvas de oficiais do Exército, da alta culinária e dos produtos de luxo. Gosto da Paris judaica, da Paris gay, da Paris árabe, da Paris vietnamita, e até da Paris monarquista -a Paris da extrema direita e da extrema esquerda. Quis escrever algo que parecesse pouco familiar ao leitor.

Folha - Como o sr. vê o declínio da influência cultural francesa?
White -
Paris definitivamente perdeu terreno como capital mundial da pintura e da escultura. Mas, surpreendentemente, se tornou um importante centro de música e dança. A vida literária francesa está tão ativa quanto sempre, com grande número de lançamentos anuais e prêmios literários bem divulgados, mas poucos autores contemporâneos conhecidos no exterior.

Folha - Como Paris lidou com a cena gay nos últimos anos e agora? Houve uma mudança?
White -
Quando me mudei para Paris em 1983, não havia gueto gay reconhecível nem presença gay visível. Quando deixei a cidade, no final da década de 90, tudo havia mudado. Acredito que a Aids fez com que os franceses abandonassem sua hostilidade para com as políticas identitárias. Os gays se tornaram mais visíveis e passaram a ter um bairro central onde se encontrar (o Marais) e presença em publicações e espaços culturais.

Folha - Paris ainda é um bom lugar para ser escritor?
White -
Paris é um bom lugar para ser escritor se tivermos um pouco de dinheiro. A cidade tem um rico passado literário e até a zeladora do prédio respeita o métier. Além disso, os escritores exercem importante papel na vida cultural contemporânea. De um ponto de vista mais mundano, as pessoas respeitam mais a privacidade em Paris. Há muitas livrarias dedicadas à literatura.


O FLÂNEUR - UM PASSEIO PELOS PARADOXOS DE PARIS - "The Flâneur: A Stroll through the Paradoxes of Paris". De: Edmund White. Editora: Companhia das Letras (tel. 0/xx/11/3846-0801). Tradução: Reinaldo Moraes. Ilustrações: Paulo Pasta. Quanto: R$ 26,50 (216 págs.).


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