São Paulo, sexta-feira, 22 de novembro de 2002

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CRÍTICA

Um altar sobre as cinzas

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Rafael (Ricardo Darín) está no fundo do poço. O restaurante da família, sob seu comando, está falido; sua namorada cansou-se de sua apatia amorosa; a filha, de seu descaso; e, ele mesmo, de seus sonhos malogrados.
Assim como Rafael, seu pai, Nino, também perdeu as ilusões. A convicção de não se casar com a companheira de tantos anos hoje é motivo de remorso, quando a vê aprisionada pelo mal de Alzheimer, num asilo de anciões.
Pai e filho tateiam atrás de um tesouro perdido, ainda que já não tenham certeza sequer se este um dia chegou a existir. Mais ou menos como parece acontecer com a Argentina de nossos dias, onde se passa este "O Filho da Noiva".
O filme chega junto com o espanhol "Fale com Ela" (Almodóvar), com quem curiosamente se assemelha por trazer dois relacionamentos à beira da destruição e dois homens que tentam reaprender a conviver com suas parceiras.
Darín, um dos malandros de "Nove Rainhas" (Fabián Bielinsky), encarna aqui um personagem parecido. É ele quem mais sente nas entranhas a ruína argentina. Atormenta-se pela falta de dinheiro, dá e recebe calotes, suborna a polícia e não hesita em, para economizar, trocar o mascarpone por requeijão na receita de tiramissú do restaurante.
Eis que seu pai resolve cumprir um antigo sonho de sua mãe, casando-se com ela na igreja -ainda que esta, debilitada pela doença, pouco perceba do mundo. Rafael ajuda-o, comovido com a capacidade de amar do velho, tão contrastante com sua amargura.
Os padres e a ruína financeira aparecerão como obstáculos, e Rafael os atropelará com seu humor rancoroso até que ele próprio é chamado à transformação.
O filme tem excelentes atuações de Hector Alterio e Norma Aleandro -parceria que deu à "A História Oficial" (Luis Puenzo, 85) o único Oscar de filme estrangeiro a uma produção latino-americana.
"O Filho da Noiva" é tristíssimo, e o sarcasmo e o humor inteligente de seus diálogos não diminuem sua dramaticidade. Mesmo em seu caminhar para um desfecho de tom otimista, não deixa que se perca de vista a idéia de um sonho dilacerado, perdido há não muito tempo. O mesmo do qual parece ter acordado a Argentina de hoje.

O Filho da Noiva
El Hijo de la Novia


    
Direção: Juan José Campanella
Produção: Argentina/Espanha, 2001
Com: Ricardo Darín, Norma Aleandro
Quando: a partir de hoje nos cines Frei Caneca Unibanco Arteplex, Jardim Sul e circuito



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