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LIVRO/LANÇAMENTO
No clássico romance "O Vermelho e o Negro", escritor francês narra as aventuras de um adolescente
Stendhal contagia com estilo nítido e inquieto
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
"O Vermelho e o Negro",
de Stendhal (1783-1842), é
um dos maiores romances de todos os tempos. Tive a sorte de lê-lo com 15 anos; essa, a meu ver, é a
idade certa para acompanhar as
aventuras de Julien Sorel. Todo
adolescente se identifica com
aquele "rapazinho de aspecto frágil, com traços irregulares porém
delicados" (assim ele surge num
dos primeiros capítulos).
Continuemos. Julien tinha
"grandes olhos negros, que nos
momentos tranquilos anunciavam reflexão e ardor". Naquele
momento, contudo, ele acabou de
levar uns safanões do pai, numa
cena que mescla a comédia à injustiça. Ei-lo animado "pelo ódio
mais feroz". O retrato prossegue
desfavorável: "Os cabelos castanho-escuros, nascendo muito
baixo, davam-lhe uma testa pequena e, nos momentos de raiva,
um ar maldoso. (...) Objeto do
desprezo de todos em casa, odiava os irmãos e o pai; nos jogos de
domingo, na praça pública, era
sempre derrotado".
Há muito pouco de heróico e de
idealizado nesse primeiro esboço,
que capta como que "ao vivo" os
traços do protagonista. Veremos
ao longo do livro que Julien é bem
mais do que esse retrato sugeria;
ele cresce a cada capítulo. Talvez
seja isso o que o torna tão simpático ao leitor adolescente. Julien oscila entre o vexame e o triunfo,
num mundo habitado por pessoas superiores à sua condição,
mas inferiores à sua inteligência.
Seu ídolo é Napoleão Bonaparte. Mas, na época em que se passa
a história, a da Restauração absolutista na França (1815-30), Napoleão e seus defensores (entre eles o
próprio Stendhal) estão em desgraça; admirá-lo é algo de imprudente e inconfessável. A vida militar (o "vermelho" do uniforme)
não mais oferece oportunidades
de ascensão; Julien apostará na
carreira eclesiástica (o "negro" da
batina).
Mas ainda não falei da sra. de
Rênal nem de Mathilde de La Mole, que vão mudar bastante os planos de nosso herói... e vejo que o
espaço desta resenha já está terminando. A pressa, a precipitação, a vontade de ir em frente,
custe o que custar, é talvez o que
há de mais contagiante na prosa
de Stendhal. O estilo seco, nítido,
inquieto, que se permite toda sorte de interpolações, sorrisos e comentários irônicos do narrador,
não diminui, antes imita, o ímpeto romântico do protagonista.
Disse no começo que a melhor
idade para ler "O Vermelho e o
Negro" são os 15 anos. Mas reli o
romance dez anos depois, e releio-o agora: sinto-me tão jovem
quanto da primeira vez. "Nenhum outro romancista", diz o
crítico Harold Bloom, "faz tão
bem a seus leitores".
A precisa tradução de Raquel do
Prado não perde tempo com notas de rodapé; essa edição exibe,
como atrações extra, um modesto
prefácio de Tarsila do Amaral e
um ensaio algo enfarruscado de
Heinrich Mann. Curiosidades
editoriais a que se soma um apêndice com valiosas indicações de
leitura suplementar.
O Vermelho e o Negro
Autor: Stendhal
Tradução: Raquel do Prado
Editora: Cosac e Naify
Quanto: R$ 49 (573 págs.)
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