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ARTIGO
Pina Bausch volta com mais didatismo e menos fantasia
France Presse
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Cena do espetáculo "Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã" |
GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE NOVA YORK
Na estréia do espetáculo
"Crianças de Ontem, Hoje e
Amanhã", da coreógrafa alemã
Pina Bausch no BAM (Brooklyn
Museum of Arts), em Nova York,
talvez o mais interessante foram
mesmo os eventos em torno do
teatro.
Não irei dizer se o espetáculo é
ruim ou bom. Sendo um profundo admirador de Pina Bausch e
tendo ela na altura de uma inventora, alguém que abriu uma nova
página na dramaturgia da dança e
do teatro, tenho que confessar
que o trabalho apresentado na última quarta-feira pela sua companhia, Tanztheater Wuppertal, é
talvez o mais frágil que já vi em toda a minha vida. E olha lá, já assisti a todos.
Já no lado de fora, notava-se algo estranho. Não havia frisson.
Poucas celebridades. E foi engraçado notar um certo Tom Wolfe,
vestido com seu terninho branco
procurando ingresso, quando
ainda restavam alguns.
Mas as pessoas se perguntavam
se seria realmente Tom Wolfe.
Provavelmente um imitador, já
que ele, avesso à vanguarda como
é, jamais seria encontrado na platéia do BAM.
Universo infantil
Ah sim, o espetáculo: um cenário todo branco, ele sugere histórias infantis, brincadeiras de
crianças, com um castelo de areia
de mentira e bailarinos fazendo
aquilo que já vimos (e vimos melhor) em espetáculos anteriores
-dessa vez, mais didático do que
nos anteriores e menos fantasioso, o que é estranho por se tratar
do mundo infantil.
Mas talvez a criança aqui seja
somente uma metáfora para o seu
inverso e, portanto, reservo o direito de pensar um bom tempo
antes de emitir o famoso "gostei"
ou "detestei".
O que Pina Bausch faz aqui é
uma volta, uma espécie de retrocesso. Conta com movimentos
quase didáticos (as palavras do
teatro-dança desapareceram) e
algumas cenas se parecem tanto
com o teatro que o diretor de teatro norte-americano Bob Wilson
fazia no início de sua carreira (baseado no autismo de Christopher
Knowles), que a platéia, sem entusiasmo, só ri mesmo quando o casal Dominic e Nazareth ocupam a
cena e fazem uma "comic routine".
Ela, com a voz grossa, obcecada
por cigarros e só achando interessante as pessoas que fumam, interage com ele num diálogo que é
mais ou menos o seguinte (ambos
com fortíssimo sotaque de estrangeiro):
Ela: "Eu tenho sotaque?"
Ele: "Posso te amar?"
Ela: "Nããããoooo!!!"
Ele: "Posso te amar por um
dia?"
Ela: "Nããããooooo!!!!"
Ele: "Posso te amar por uma hora?"
Ela: "Nããããoooo!!!!"
Ele: "Posso te amar por 30 segundos?"
Ela: "Por 30 segundos, pode"
E a cena prossegue. Eles se abraçam, e ele olha o relógio durante
os 30 segundos enquanto ela diz:
"Você vai cronometrar?"
Sim, existe o humor e minutos
de virtuosismo, mas o brilho da
maturidade desapareceu. Talvez
ele tenha se perdido de propósito
para dar vez a uma certa infantilidade de ontem, hoje e amanhã.
Todo artista precisa dessa renovação ou reorganização. Julgá-la
só será possível em retrospecto.
Pina Bausch construiu uma obra
gigantesca, monumental e, agora,
talvez esteja a desconstruindo.
Esse espetáculo integra um repertório (já tem quatro anos) e
pode vir a ser uma pedra fundamental nisso que se chama de legado de um artista.
Gerald Thomas é diretor teatral
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