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Crítica/ "O Paraíso das Damas"
Émile Zola encena o mundo do consumo e do supérfluo
Livro descreve surgimento das lojas de departamento e mostra nova ordem social
MARCOS FLAMÍNIO PERES
EDITOR DO MAIS!
A carne é fraca, mas a
roupa é mais ainda. Essa visão do desejo como
mola propulsora da sociedade
moderna está no centro de um
dos romances mais fascinantes
do século 19, o primeiro a colocar o consumo no primeiro plano narrativo.
Publicado em livro em 1883,
"O Paraíso das Damas", de
Émile Zola (1840-1902), descreve o surgimento da primeira
loja de departamento da história e que dá nome ao livro -ela
é inspirada livremente no "Au
Bon Marché", que existe até
hoje nos números 22 e 24 da
rua de Sèvres, em Paris.
Entre frufrus dos vestidos
das madames e a algazarra de
um mercado persa, "O Paraíso
das Damas" cria um universo
novo de tecidos, cores, texturas
vindos de toda parte do mundo,
criados e desfeitos ao sabor do
capricho de cada estação.
O mundo volátil do desejo e
do supérfluo encontra sua primeira representação na história da literatura. Claro que antes houve Baudelaire, que definiu a modernidade como a
combinação do efêmero e do
perene, onde a moda ocuparia
um lugar especial.
Vitrines de Zola
Mas, em Émile Zola, não se
trata de especulação, mas de
pura representação: em cada
vitrine, em cada balcão, em cada prateleira de "O Paraíso das
Damas", reencena-se, a todo o
tempo, o grande palco da vaidade humana.
Seu fio condutor é a típica
história de amor derivada do
gênero mais popular do século
19: o romance de folhetim.
Denise, a humilde órfã que
chega à cintilante capital em
busca de sustento para si e para
o irmãozinho, em pouco tempo
se torna balconista da maior
sensação da Paris de então.
Logo desperta o interesse do
patrão, Mouret, jovem ambicioso e dominador. Aos poucos,
sua candura e dignidade amolecem o coração do jovem e, juntos, enfrentarão as contingências de renda e classe.
Vida injusta
Sabe-se que um escritor como Flaubert fez picadinho, em
"Madame Bovary" (1857), desse clássico entrecho folhetinesco. Mas não era esse o objetivo
de Zola. Mais que a busca do
"mot juste", Zola sempre perseguiu a "vida injusta", sub-representada pela afirmação política, econômica e social da
burguesia parisiense da segunda metade do século 19.
Isso se vê em obras clássicas
como "Germinal", sobre a vida
dos mineiros de carvão, ou ainda, "Nana" e, claro, "O Paraíso
das Damas".
Pois a força de sua narrativa
não vem da precisão obsessiva
e quase árida que existe em
Flaubert, mas, ao contrário, da
exuberância das longas frases e
de descrições cumulativas que
hoje se poderiam chamar de
barroquizantes.
Nova ordem
Aqui, em vez dos mineiros
enterrados no norte da França,
há a exploração das classes
mais baixas emigradas do interior pobre e atraídas pela concentração de capitais da tardia
revolução industrial francesa.
Ao mesmo tempo, o romance
também traça o surgimento do
grande comércio impessoal,
que devorava, com os "dentes
de ferro de suas engrenagens",
o pequeno comércio de rua -as
"boutiques" familiares e descapitalizadas.
E, na grande cidade, bairros
inteiros de Paris vinham abaixo
para dar espaço aos amplos bulevares concebidos pelo barão
de Haussmann.
Como síntese dessas linhas
de força concentradas em Paris, paira O Paraíso das Damas,
"uma capela construída ao culto das graças da mulher".
Assim, no momento em que a
sociedade de consumo apenas
despontava no horizonte, Zola
anteviu com precisão a nova ordem, descrita nas palavras de
Mouret: "Eu tenho a mulher,
pouco me importa o resto".
O PARAÍSO DAS DAMAS
Autor: Émile Zola
Tradução: Joana Canêdo
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 59 (498 págs.)
Avaliação: ótimo
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