São Paulo, sábado, 22 de novembro de 2008 |
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RODAPÉ LITERÁRIO Wittgenstein e a poesia
FÁBIO DE SOUZA ANDRADE COLUNISTA DA FOLHA EM SEU "A Escada de Wittgenstein", a vienense Marjorie Perloff, autora de "O Momento Modernista" (Edusp, 1993) e "The Poetics of Indeterminacy: Rimbaud to Cage" (N.U.P, 1981), professora em Stanford e leitora arguta, no calor da hora, da produção artística americana contemporânea, rastreou o quanto de uma atitude de suspensão e escrutínio sistemático dos hábitos lingüísticos cotidianos, descritos em jogos familiares que, no entanto, nos surpreendem, está no coração de obras tão fundamentais quanto a poesia da gramática nos escritos de Gertrude Stein, o telefone sem fio narrativo de "Watt", de Samuel Beckett, os romances de Ingeborg Bachmann e de Thomas Bernhard, além da poesia experimental americana de Robert Creeley, colocando-os sob o signo de impasses históricos comunicantes e de poética e patrono comuns. Se o teórico da literatura Terry Eagleton tem razão, assim como Bertrand Russell foi, no século passado, o filósofo dos balconistas e Jean-Paul Sartre, o dos jornalistas, a Ludwig Wittgenstein coube o papel de filósofo dos poetas. Não tanto pela biografia romanesca do rico herdeiro vienense que abdicou da fortuna, o exilado em Cambridge que se dizia profundamente alemão, o herói da Primeira Guerra, aviador, que abominava a violência, misto de "monge, místico e mecânico". O intelectual de primeira linha que escolheu trabalhar como jardineiro e professor primário foi, de fato, personagem de uma infinidade de escritores e o romance "O sobrinho de Wittgenstein", de Thomas Bernhard, é apenas o exemplo mais conhecido. A razão da devoção é outra. Os curiosos aforismas, parábolas e jogos de linguagem do autor das "Investigações filosóficas" -resistindo a uma forma de filosofia diretamente assertiva, essencialista, grandiloqüente e reconduzindo-a ao exame das condições de funcionamento da linguagem por trás de proposições infladas de metafísica, encontraram semelhanças pouco evidentes entre a tarefa do filósofo e a do artista. Menos empenhados em nomear a realidade do que em descrever um processo, apanhar os limites contextuais (culturais, históricos) e as relações gramaticais em que o esforço de representá-la se forja, atentos a suas implicações éticas, poetas e filósofos compartilham a mesma escada, em que a atenção e os passos no ato de subir contam mais do que os degraus, ou, na formulação de Wittgenstein: "Minhas proposições são elucidativas desta maneira: aquele que me compreende acaba por reconhecê-las como sem sentido, após ter escalado através delas -por elas- para além delas. (Deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido por ela)". Como a escada do filósofo, o livro de Perloff acorda nossa sensibilidade para um sentido de família espiritual nos percursos individuais dos grandes autores que reúne: Wittgenstein os coloca em nova e imprevista perspectiva. A ESCADA DE WITTGENSTEIN Autor: Marjorie Perloff Tradução: Elizabeth Rocha Leite e Aurora Fornoni Bernardini Editora: Edusp Quanto: R$ 57 (312 págs.) Avaliação: ótimo Texto Anterior: Vitrine Próximo Texto: Ney fará "Bandido" no cinema Índice |
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