São Paulo, sábado, 22 de novembro de 1997.




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LITERATURA
"Trespuntos" diz que a Editorial Planeta acertou previamente entrega de US$ 40 mil ao escritor argentino
Revista questiona prêmio a Ricardo Piglia

LÉO GERCHMANN
de Buenos Aires

A entrega de um prêmio literário na Argentina está promovendo muito mais do que lançamentos de livros e autores emergentes. Uma denúncia levantada pela revista "Trespuntos" gerou polêmica nos meios culturais argentinos: a de que o prêmio entregue ao escritor Ricardo Piglia, 53, estava definido antes do concurso.
A revista acusou a Editorial Planeta -que entrega anualmente os prêmios de US$ 40 mil- e o escritor (que neste ano ganhou os US$ 40 mil) de terem acertado antecipadamente a publicação da novela vencedora. A obra, depois do concurso, seria editada conforme determinação ocorrida ainda antes do concurso.
O público argentino recebeu a acusação com uma certa incredulidade. Outros escritores defenderam Piglia, que conta com forte prestígio acadêmico.
Além de escritor famoso pelos seus contos, novelas e ensaios, o vencedor do Prêmio Planeta deste ano é um conceituado professor de literatura.
Entre os jurados que escolheram a obra "Plata Quemada" -e por isso também foram implicados na denúncia de favorecimento- estão os nomes consagrados do paraguaio Augusto Roa Bastos, do uruguaio Mario Benedetti e dos argentinos Tomás Eloy Martínez (autor do aclamado "Santa Evita") e María Esther de Miguel.
Prazo suspeito
O prêmio foi entregue por Martínez. Em seguida, houve o anúncio de que "Plata Quemada" seria publicada no prazo de uma semana, o que provocou a desconfiança da revista denunciante devido à rapidez prevista para o processo.
A novela levou, enfim, 12 dias -cinco além do previsto- para ser publicada.
Diretores da revista explicaram que as acusações não procuravam atacar a qualidade literária ou a honestidade de Piglia, mas a lisura do prêmio.
O editor da Planeta, Guillermo Schavelzon, disse que o livro "Blanco Nocturno", também de Piglia, contratado em 95, ainda não foi concluído. Ou seja, há um contrato com o escritor, apesar de ele não se referir a "Plata Quemada".
Piglia, que concorreu com o pseudônimo de Roberto Luminari, atribui as acusações ao fato de ter mantido "posições marxistas" e "críticas a alguns intelectuais" na época do presidente Raúl Alfonsín (UCR), de 83 a 89.
Segundo o escritor, muitos desses intelectuais criticados trabalham para a revista e poderiam estar tentando se vingar por meio de acusações infundadas.
Piglia confirma que já teve um contrato com a editora Planeta prevendo a reedição de obras suas. No caso de "Plata Quemada", porém, diz que chegou a pensar na sua publicação, mas preferiu concorrer com a obra ao Prêmio Planeta.
"Se o Prêmio Planeta é manipulado, as pessoas ligadas à área cultural têm de investigar. Não podem me colocar como responsável", disse o escritor.
Os jurados rechaçaram as suspeitas levantadas pela revista. "Era de longe a melhor obra", definiu o paraguaio Augusto Roa Bastos.
O problema é que, antes de chegar ao júri composto por escritores, que escolheu entre dez títulos, a novela de Piglia concorreu em um júri mais amplo, com cerca de 400 manuscritos. Desconfia-se que o dele tenha pulado essa etapa.



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