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São Paulo, segunda-feira, 22 de dezembro de 2003

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Mostra integral do acervo de Paulo Bruscky na Bienal de São Paulo, em 2004, tenta fazer justiça à carreira de um pioneiro das artes

Bienal recria fábrica de idéias de Paulo Bruscky

Leo Caldas/Folha Imagem
Paulo Bruscky em seu ateliê em Recife, que fará parteda Bienal de São Paulo, em 2004


FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A RECIFE

Em um apartamento de menos de 60 m2, no bairro do Torreão, em Recife, o artista Paulo Bruscky reúne, há 17 anos, um dos mais importantes acervos do país de arte postal, livros e documentos da história da arte, além de suas próprias obras.
A miscelânea reunida nesse ateliê será transportada em sua íntegra para o parque Ibirapuera, numa sala da 26ª Bienal Internacional de São Paulo, programada para setembro do próximo ano, sob responsabilidade de Alfons Hug. Ao expor o ateliê do artista, o curador espera fazer "uma conclamação muda aos jovens artistas, para que eles estudem, pesquisem, sondem teorias, em resumo, se eduquem".
Com isso, Hug faz justiça a Bruscky, 54, cuja carreira muito particular é praticamente desconhecido no país. Praticamente, pois, nos últimos anos, Bruscky voltou a ser chamado para mostras coletivas, após realizar uma individual em 2001, na Torre Malakoff, no Recife, após ficar 16 anos sem expor. Desde então, ele foi chamado para o Panorama da Arte Brasileira, em 2001, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, e atualmente está em cartaz em Curitiba, na mostra Imagética.
"O ateliê dele é uma verdadeira instalação, uma obra construída em toda a vida dele. Montar esse espaço aqui é mostrar a importância disso e alertar para o risco desse acervo sair do país", diz Ricardo Resende, um dos curadores do Panorama e da Imagética. De fato, um colecionador de Houston (EUA) já tentou levar o acervo que o artista tem do movimento Fluxus, com obras de Yoko Ono, Nan June Paik e John Cage, entre outros. "Quero que esse acervo continue no país", conta Bruscky.
Entretanto, 2004 promete marcar a trajetória do artista, que nunca vendeu uma obra (atenção, galeristas!). Além de participar da Bienal, ele será tema de três publicações: um catálogo de 300 páginas com sua obra, que está sendo preparado pela professora da USP Cristina Freire, especialista em arte conceitual e apontada por Resende como responsável pelo resgate do artista; um livro de sua autoria sobre a história da arte nos anos 70; e um livro sobre poesia visual e experimentalismo, em preparação por Adolfo Monteiro, espanhol residente no Rio.
Filho de um fotógrafo e bailarino russo com uma brasileira de Fernando de Noronha, Bruscky desde jovem ajudava o pai em seu estúdio. "Fui criado dentro do ateliê fotográfico, eu fazia as ampliações e gostava de desenhar."
Aos 17 anos, em 1966, Bruscky perdeu o pai, o que o levou a trabalhar. Três anos depois, ganhava o 1º Prêmio no Salão de Pernambuco, com "O Guerrilheiro", obra nunca exposta: "O Exército mandou tirar", diz o artista, preso três vezes pelo regime militar.
Mas, no início dos anos 70, o autodidata Bruscky iniciou uma expansão, rompendo com o suporte tradicional e entrando na arte conceitual. A obra simbólica dessa passagem -o desenho de um carretel, de onde sai um fio, que é real e cai da moldura-, está pendurada no ateliê e será vista na Bienal. "Desenvolvi um trabalho solitário, o neoconcretismo [movimento carioca que rompia com o suporte] não repercutia aqui."
Nos anos 70, objetos cotidianos eram apropriados pelos artistas e Bruscky participou ativamente desse momento. Arte-postal, arte com fax (da qual é pioneiro no país), intervenções na cidade, arte com xerox. "Eu ia ao escritório da Xerox e passava a noite fazendo trabalhos. Eles até deixavam café e biscoitos", conta. Isso lhe deu a bolsa da Fundação Guggenheim, que o levou a Nova York, em 1982.
Lá, Bruscky intensificou contatos com integrantes do Fluxus, como Dick Higgins, o líder da turma, e participou, ao lado de Merce Cunningham e Rauschenberg, de performances de Cage.
Como nunca vendeu suas obras, Bruscky sempre foi funcionário do Inamps, de onde se aposentou recentemente. Mesmo assim, nunca parou de produzir e espera que sua obra recente ganhe visibilidade: "Só mostram minha obra dos anos 70, como se eu tivesse morrido. Tudo bem que ninguém conhecia, mas eu continuo produzindo", afirma.

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