São Paulo, sábado, 22 de dezembro de 2007

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Enright usa trauma familiar para ver Irlanda

"The Gathering" parte de caso de abuso sexual para retratar sociedade irlandesa; livro vai chegar ao Brasil em 2008

Escritora se diz muito influenciada pelo boom latino-americano dos anos 70; antes do prêmio, livro vendeu só 3.500 cópias

Divulgação
A escritora irlandesa Anne Enright, 45, vencedora do Booker Prize de 2007 com "The Gathering'


EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Anne Enright foi a zebra das letras em 2007. Com seu quarto romance, "The Gathering" (o encontro), a irlandesa de 45 anos conseguiu bater dois favoritos ao Booker Prize, o mais prestigioso do Reino Unido: o já premiado Ian McEwan, que concorria com "Na Praia" (Companhia das Letras), e Lloyd Jones, que estava na disputa com "O Sr. Pip" (Rocco).
No Brasil, já é possível encontrar o livro na Livraria Cultural, no original, em inglês. Enright diz que já recebeu um convite informal da editora Liz Calder para participar da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, em julho de 2008. O que deve bater com os planos da editora Alfaguara/Objetiva de lançar o romance no Brasil.
"The Gathering" se passa nos anos 90 e sua personagem principal, Veronica, tenta recuperar as memórias do abuso sexual sofrido pelo irmão, Liam, dentro do próprio seio da família, que tem dez filhos. A narrativa estende-se por três décadas, culminando com o suicídio e funeral de Liam, o encontro referido no título.
O romance é um retrato de época da sociedade irlandesa. Enright conta que os anos 90 foram uma década de muitas revelações em termos do que acontecia em seu país, particularmente em termos de abuso sexual infantil. E também coincidiu com o boom econômico e a idéia de que era preciso arrumar a casa antes de recomeçar.
"Estas duas coisas aconteceram juntas e levaram as pessoas a pensarem que os tempos difíceis haviam acabado. E aquele era o momento de falar certas verdades", diz a autora em entrevista por telefone à Folha, em que evita, no entanto, a idéia de ter feito um tratado social de seu país.
"Veronica e Liam vêm de uma família imensa e esta poderia ser uma história sobre como é viver e crescer numa sociedade onde não há contracepção. Estas famílias imensas eram uma realidade muito comum em países como a Irlanda nos anos 60 e 70. Mas não se trata, no livro, tanto de mudanças sociais quanto do porquê ter nascido. E a diferença entre o amor que é uma verdade trivial e aquele que é idiota."
A obra de Enright é marcada, tematicamente, pela abordagem das relações familiares, o amor e o sexo, e os impasses entre o passado e a modernidade na Irlanda. A escritora se diz muito influenciada pelo boom latino-americano nas letras no fim dos anos 70 e início dos 80. "Gabriel García Márquez, Eduardo Galeano e Mario Vargas Llosa foram importantes para a formação de todos os escritores que estavam surgindo na época. Um dos meus romances, "The Pleasure of Eliza Lynch: A Novel", até mesmo se passa na América Latina."

Mulheres nas letras
Além do crescente mercado de "chic lit", a literatura comercial para a chamada "mulherzinha", Enright acredita que algo está mudando na recepção da crítica e do público dos livros feitos por mulheres.
"Lembro-me de ouvir recentemente que os grandes nomes da literatura britânica eram mulheres como Ali Smith, Zadie Smith e Monica Ali. Todas as Ali e Smith juntas, escrevendo grandes romances sobre questões sociais, a partir da periferia da sociedade britânica. Também escrevo da periferia, pois sou irlandesa. Esta confiança do mercado não havia na geração anterior à minha."
O Booker, é sabido, torna o mercado ainda mais receptivo. "The Gathering" havia vendido pouco mais de 3.500 cópias em todo o Reino Unido. Após o prêmio, o número de países que compraram direitos de tradução alcançou 28. Mas Enright espera que o ruído passe logo.
"Há tanto barulho em volta do livro. Só quero voltar a ficar tranqüila para que eu possa me concentrar nas idéias que tenho em mente. Tenho tanta fome de voltar a escrever ficção. É o que me faz realmente feliz."


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