São Paulo, sábado, 22 de dezembro de 2007

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D. João desembarca também em HQ

Chegada da corte portuguesa ao Brasil em 1808 é contada pelo traço de Spacca e roteiro da historiadora Lilia Schwarcz

Ilustrador usa gravuras e telas famosas, objetos de museu e descrições de livros de história para reconstituir cenas da época

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma das principais discussões que devem vir à tona nas comemorações dos 200 anos da chegada da família real portuguesa ao Brasil -em março de 2008-, deve ser em torno da revisão dos estereótipos de seus principais personagens.
Se d. João 6º era um bufão ou um estadista, se Carlota Joaquina, uma libertina ou uma princesa injustiçada, e se d. Pedro 1º, um bruto ou um herói.
Caricaturas não faltam e há quem defenda uns e ridicularize outros e vice-versa.
No meio da fogueira dessa polêmica, propor uma versão em quadrinhos desse episódio histórico é, no mínimo, pisar em ovos. Em "D. João Carioca", a historiadora Lilia Schwarcz e o ilustrador Spacca caminham sobre uma linha de equilibristas para, ao mesmo tempo, retratar os membros da família real com aquele fundo de verdade que vive em cada estereótipo, mas sem cair na armadilha de intrigas historiográficas.
O livro cobre, em tom de aventura, o período que vai desde os anos de 1807, quando começa o debate sobre o traslado da corte para o Rio, até 1821, quando d. João 6º finalmente volta a Portugal e o Brasil caminha para a Independência, proclamada no ano seguinte.
Spacca conta que se inspirou em alguns clássicos da historiografia, como "D. João 6º no Brasil", de Oliveira Lima (1867-1928). Também várias telas e gravuras famosas serviram de guia, como a que retrata o Jardim Botânico, por Rugendas; a que reconstrói a chegada da imperatriz Leopoldina, por Debret, ou a que descreve os distúrbios na Espanha por conta da intervenção militar de Napoleão, em 1808, por Goya.
O ilustrador diz que sentiu necessidade de cruzar fontes iconográficas e objetos de museus à historiografia. "Quando se trata de uma HQ histórica é preciso ter atenção a muitos detalhes que às vezes passam despercebidos por historiadores. As minhas perguntas para recriar uma cena são outras. Como era o calçamento das ruas do Rio? Que roupas a população usava? E é preciso prestar atenção nas mudanças de paisagem também."
Outra fonte de inspiração, clássica nesses casos de reconstituição de época, foi o intrépido gaulês Asterix, de Albert Uderzo e René Goscinny. A técnica utilizada para manter uma coerência nos perfis dos personagens, explica Spacca, é fazer uma espécie de ensaio dele em diversas posições e depois aplicá-las ao roteiro.

Os protagonistas
Os personagens centrais da história estão muito bem retratados -salvo alguns tropeços, como uma Leopoldina com cara de boba demais e uma Carlota um tanto histérica. Mas o destaque fica mesmo para figuras um pouco secundárias para o público em geral, porém importantes no contexto.
O lorde Strangford, diplomata inglês que manejou o transporte da corte, surge como um almofadinha bastante legítimo -e divertido. Na mesma linha, d. Antônio de Araújo, o conde da Barca, e d. Rodrigo de Sousa Coutinho, o conde de Linhares, são tratados com humor e delicadeza. Protagonistas do debate que antecedeu a viagem, são mostrados didaticamente para quem não é íntimo do tema.
Os diálogos entre eles podem parecer um pouco cifrados num primeiro momento, porque a decisão de mudar a corte para o Brasil foi muito complexa, com interesses de várias nações européias em jogo. Concentrá-los em um punhado de balõezinhos é um tanto arriscado. Ainda mais porque os próprios historiadores, hoje em dia, costumam discordar sobre como esse debate aconteceu.
Ainda assim, a HQ oferece um bom resumo, que pode estimular curiosos a buscar respostas em clássicos como "Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial", de Fernando Novais, e outros livros.


D. JOÃO CARIOCA
Autora:
Lilia Schwarcz
Ilustrador: Spacca
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 33 (96 págs.)


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