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D. João desembarca também em HQ
Chegada da corte portuguesa ao Brasil em 1808 é contada pelo traço de Spacca e roteiro da historiadora Lilia Schwarcz
Ilustrador usa gravuras e telas famosas, objetos de museu e descrições de livros de história para reconstituir cenas da época
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma das principais discussões que devem vir à tona nas
comemorações dos 200 anos
da chegada da família real portuguesa ao Brasil -em março
de 2008-, deve ser em torno da
revisão dos estereótipos de
seus principais personagens.
Se d. João 6º era um bufão ou
um estadista, se Carlota Joaquina, uma libertina ou uma
princesa injustiçada, e se d. Pedro 1º, um bruto ou um herói.
Caricaturas não faltam e há
quem defenda uns e ridicularize outros e vice-versa.
No meio da fogueira dessa
polêmica, propor uma versão
em quadrinhos desse episódio
histórico é, no mínimo, pisar
em ovos. Em "D. João Carioca",
a historiadora Lilia Schwarcz e
o ilustrador Spacca caminham
sobre uma linha de equilibristas para, ao mesmo tempo, retratar os membros da família
real com aquele fundo de verdade que vive em cada estereótipo, mas sem cair na armadilha
de intrigas historiográficas.
O livro cobre, em tom de
aventura, o período que vai desde os anos de 1807, quando começa o debate sobre o traslado
da corte para o Rio, até 1821,
quando d. João 6º finalmente
volta a Portugal e o Brasil caminha para a Independência, proclamada no ano seguinte.
Spacca conta que se inspirou
em alguns clássicos da historiografia, como "D. João 6º no
Brasil", de Oliveira Lima (1867-1928). Também várias telas e
gravuras famosas serviram de
guia, como a que retrata o Jardim Botânico, por Rugendas; a
que reconstrói a chegada da imperatriz Leopoldina, por Debret, ou a que descreve os distúrbios na Espanha por conta
da intervenção militar de Napoleão, em 1808, por Goya.
O ilustrador diz que sentiu
necessidade de cruzar fontes
iconográficas e objetos de museus à historiografia. "Quando
se trata de uma HQ histórica é
preciso ter atenção a muitos
detalhes que às vezes passam
despercebidos por historiadores. As minhas perguntas para
recriar uma cena são outras.
Como era o calçamento das
ruas do Rio? Que roupas a população usava? E é preciso
prestar atenção nas mudanças
de paisagem também."
Outra fonte de inspiração,
clássica nesses casos de reconstituição de época, foi o intrépido gaulês Asterix, de Albert
Uderzo e René Goscinny.
A técnica utilizada para manter uma coerência nos perfis
dos personagens, explica Spacca, é fazer uma espécie de ensaio dele em diversas posições e
depois aplicá-las ao roteiro.
Os protagonistas
Os personagens centrais da
história estão muito bem retratados -salvo alguns tropeços,
como uma Leopoldina com cara de boba demais e uma Carlota um tanto histérica. Mas o
destaque fica mesmo para figuras um pouco secundárias para
o público em geral, porém importantes no contexto.
O lorde Strangford, diplomata inglês que manejou o transporte da corte, surge como um
almofadinha bastante legítimo
-e divertido. Na mesma linha,
d. Antônio de Araújo, o conde
da Barca, e d. Rodrigo de Sousa
Coutinho, o conde de Linhares,
são tratados com humor e delicadeza. Protagonistas do debate que antecedeu a viagem, são
mostrados didaticamente para
quem não é íntimo do tema.
Os diálogos entre eles podem
parecer um pouco cifrados
num primeiro momento, porque a decisão de mudar a corte
para o Brasil foi muito complexa, com interesses de várias nações européias em jogo. Concentrá-los em um punhado de
balõezinhos é um tanto arriscado. Ainda mais porque os próprios historiadores, hoje em
dia, costumam discordar sobre
como esse debate aconteceu.
Ainda assim, a HQ oferece
um bom resumo, que pode estimular curiosos a buscar respostas em clássicos como "Portugal e Brasil na Crise do Antigo
Sistema Colonial", de Fernando Novais, e outros livros.
D. JOÃO CARIOCA
Autora: Lilia Schwarcz
Ilustrador: Spacca
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 33 (96 págs.)
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