São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 2001

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Filme sobre "personagens invisíveis" nacionais é único concorrente brasileiro em festival

Domésticas varrem Roterdã



Divulgação
A atriz Cláudia Missura em cena de "Domésticas, o Filme", de Fernando Meirelles e Nando Olival, que participa do festival de Roterdã



Fora de competição, ainda estão na mostra holandesa de cinema, que começa amanhã, quatro longas nacionais e sete curtas


JOSÉ GERALDO COUTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Da área de serviço para a Holanda, sem escalas: "Domésticas, o Filme", de Fernando Meirelles e Nando Olival, será o único concorrente brasileiro no 30º Festival de Cinema de Roterdã, que começa amanhã. Participam do evento, fora de competição, outros quatro longas brasileiros (veja quadro), entre eles o inédito "Urbânia", de Flavio Frederico. Completam a participação brasileira em Roterdã sete curtas-metragens.
"Domésticas" é uma adaptação da peça teatral homônima de Renata Melo. Retrata, de modo fragmentado, o cotidiano de meia dúzia de empregadas domésticas na cidade de São Paulo.
De acordo com o diretor Fernando Meirelles, uma primeira versão do filme ficou pronta em março de 1999. "Era uma adaptação mais próxima da peça, quase só com os depoimentos das personagens. A gente sentiu que faltava alguma coisa."
Num lance pouco comum no nosso cinema, os diretores resolveram retomar as filmagens para desenvolver melhor as personagens e encadear suas histórias.
"A gente teve de pôr um pouco de trama para tornar o filme mais interessante para o público", resume Meirelles.
As novas filmagens elevaram o orçamento para R$ 1,2 milhão. "Mas precisamos de bem menos que isso, pois usamos a estrutura e os equipamentos da nossa produtora, a O2", diz o diretor.
Os R$ 700 mil que eles precisaram levantar vieram por meio das leis de incentivo fiscal e do Programa de Integração Cinema-TV (PIC), da TV Cultura. Além disso, o filme recebeu o apoio do Hubert Bals Fund, um fundo para filmes independentes ligado ao Festival de Roterdã.
A O2, de que Meirelles e Olival são sócios, é uma das maiores produtoras de comerciais do Brasil. Há três anos a empresa abriu um departamento de cinema, realizando alguns curtas. "Domésticas" é seu primeiro longa.
Segundo Fernando Meirelles -que co-dirigiu com Fabrizia Pinto o longa "Menino Maluquinho 2"-, a escolha da peça teatral de Renata Melo deveu-se basicamente a dois motivos.
Em primeiro lugar, era um projeto que "cabia na estrutura da produtora" e que os dois diretores podiam realizar antes de partir para seus vôos mais ambiciosos, os longas "Cidade de Deus" (de Meirelles) e "Love Story Motel" (de Olival).

Figuras invisíveis
Além disso, a peça vinha ao encontro do desejo de Meirelles de dar a ver "personagens invisíveis" da sociedade brasileira, como zeladores de prédios, porteiros de restaurantes e, claro, empregadas domésticas.
"O porteiro de restaurante é alguém a quem você dá a chave do carro sem olhar para a cara dele. É um cabide da chave do seu carro", diz o cineasta. "Da mesma maneira, tem doméstica que trabalha há 15 anos na mesma casa, e a patroa não sabe nem se ela é casada ou solteira."
A idéia de trazer ao primeiro plano esses seres que normalmente aparecem na tela como figurantes levou Meirelles e Olival a preservar alguns princípios da peça original, como o de não mostrar os patrões em momento algum e o de entremear a ação com depoimentos das personagens diretamente para o público.
Na peça, esses depoimentos eram todos extraídos da pesquisa que a autora Renata Melo realizou durante dois anos junto a empregadas domésticas verdadeiras. O filme manteve boa parte desses depoimentos, mas aumentou a parte ficcional.
Foram desenvolvidos, por exemplo, vários personagens masculinos que, na peça, apenas esboçados, eram interpretados por um único ator.
Manteve-se também praticamente o mesmo elenco feminino da peça, composto de atrizes teatrais pouco conhecidas do grande público. "Acho muito mais interessante usar rostos desconhecidos do espectador, para dar mais veracidade aos personagens", diz Meirelles.
A autora Renata Melo, que trabalhou como atriz na peça e no filme, assistiu pela primeira vez ao longa junto comigo. Riu muito durante a projeção e, ao final, aprovou a adaptação.
A empregada doméstica de Fernando Meirelles, Aliene, ainda não viu o filme, mas leu o roteiro e protestou contra passagens que considerou ofensivas por zombarem da ignorância de algumas domésticas. Segundo seu patrão, essas passagens acabaram eliminadas do longa.



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