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CRÍTICA
Filme retrata patrão ausente
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Versão moderna da antiga
mucama, a empregada doméstica brasileira é aquela moça
que "quase faz parte da família",
pois "até senta para comer com a
gente", no dizer da patroa que lhe
paga um salário de fome e não a
registra em carteira para não arcar com obrigações trabalhistas.
Essa situação é resumida no
melhor depoimento de "Domésticas", infelizmente deslocado para a sequência dos créditos finais
-aquela que passa quando o público está saindo do cinema.
Dá para entender. "Domésticas" é uma comédia de costumes
sobre empregadas. Aquela fala,
demasiado crua, azedaria tudo.
A pergunta que se impõe é a seguinte: é possível fazer uma comédia sobre domésticas que seja
leve sem ser leviana?
Do ponto de vista estritamente
cinematográfico, "Domésticas"
revela talento e competência.
Seu maior feito é o de lançar
mão de variados registros -depoimento em preto-e-branco,
"home movie" gravado em vídeo
digital, aceleração da imagem
com fins dramáticos, cenas externas de teor documental- sem
perder a fluência da narrativa.
O problema é anterior a isso. O
problema está no enfoque. Ao
tentar traçar um retrato carinhoso das domésticas, o filme não faz
mais que reiterar os preconceitos
de classe dos patrões.
Depoimentos
Sim, os depoimentos foram colhidos de empregadas reais. Sim,
as atrizes são ótimas. Mas eis o
que vemos: atrizes de classe média tentando imitar o sotaque, o
vocabulário, a entonação e o modo de pensar de pessoas que lhes
são estranhas.
Além da interpretação das atrizes, há outros filtros: a escolha dos
depoimentos, a montagem das
historinhas, a própria trilha sonora (um jocoso pot-pourri do romantismo brega), a estetização da
pobreza.
No final desse processo, sobram
figuras simpáticas, pitorescas e
pueris que nos divertem por um
par de horas, só que não são domésticas, mas a imagem que a
classe média faz delas.
Os patrões, ausentes da cena,
imprimem sua marca em cada careta, em cada fotograma, em cada
movimento de câmera, em cada
som.
Talvez não haja saída. Talvez só
se possa falar dos pobres renunciando a todo paternalismo e assumindo a crueldade desesperada
de Clarice Lispector diante de sua
Macabéia. Até que as domésticas
façam um filme sobre os patrões.
(JOSÉ GERALDO COUTO)
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