São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

Filme retrata patrão ausente



DA EQUIPE DE ARTICULISTAS



Versão moderna da antiga mucama, a empregada doméstica brasileira é aquela moça que "quase faz parte da família", pois "até senta para comer com a gente", no dizer da patroa que lhe paga um salário de fome e não a registra em carteira para não arcar com obrigações trabalhistas.
Essa situação é resumida no melhor depoimento de "Domésticas", infelizmente deslocado para a sequência dos créditos finais -aquela que passa quando o público está saindo do cinema.
Dá para entender. "Domésticas" é uma comédia de costumes sobre empregadas. Aquela fala, demasiado crua, azedaria tudo.
A pergunta que se impõe é a seguinte: é possível fazer uma comédia sobre domésticas que seja leve sem ser leviana?
Do ponto de vista estritamente cinematográfico, "Domésticas" revela talento e competência.
Seu maior feito é o de lançar mão de variados registros -depoimento em preto-e-branco, "home movie" gravado em vídeo digital, aceleração da imagem com fins dramáticos, cenas externas de teor documental- sem perder a fluência da narrativa.
O problema é anterior a isso. O problema está no enfoque. Ao tentar traçar um retrato carinhoso das domésticas, o filme não faz mais que reiterar os preconceitos de classe dos patrões.

Depoimentos
Sim, os depoimentos foram colhidos de empregadas reais. Sim, as atrizes são ótimas. Mas eis o que vemos: atrizes de classe média tentando imitar o sotaque, o vocabulário, a entonação e o modo de pensar de pessoas que lhes são estranhas.
Além da interpretação das atrizes, há outros filtros: a escolha dos depoimentos, a montagem das historinhas, a própria trilha sonora (um jocoso pot-pourri do romantismo brega), a estetização da pobreza.
No final desse processo, sobram figuras simpáticas, pitorescas e pueris que nos divertem por um par de horas, só que não são domésticas, mas a imagem que a classe média faz delas.
Os patrões, ausentes da cena, imprimem sua marca em cada careta, em cada fotograma, em cada movimento de câmera, em cada som.
Talvez não haja saída. Talvez só se possa falar dos pobres renunciando a todo paternalismo e assumindo a crueldade desesperada de Clarice Lispector diante de sua Macabéia. Até que as domésticas façam um filme sobre os patrões. (JOSÉ GERALDO COUTO)



Texto Anterior: Diretor adapta "Cidade de Deus", de Paulo Lins
Próximo Texto: Mônica Bergamo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.