São Paulo, sexta-feira, 23 de janeiro de 2004

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CINEMA/ESTRÉIA

"A OUTRA"

Youssef Chahine reflete vigor dos problemas do Oriente Médio

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Em "A Outra", trata-se de terrorismo e globalização. De capitalismo corrupto e tolerância (ou intolerância) política -aliás, o filme se abre em Nova York com Edward Said falando a Adam, protagonista do filme.
Existe ainda um amor fulminante, entre Adam-estudante americano de origem egípcia- e Hanane, jornalista no Cairo). E Margaret, a riquíssima mãe de Adam, que fará tudo para separar o filho de sua amada, enquanto arma uma negociata colossal.
O que será então "A Outra"? Um filme sobre angústias contemporâneas ou uma novela mexicana do SBT? Vanguarda ou retaguarda? Depende do olhar. A interpretação pode parecer deficiente por quem tomar como critério o estilo naturalista. Mas esse não é o único modo de fazer as coisas, e talvez nem o melhor.
A uma sequência com os pobres, sucede uma com ricos; a uma com os bons, outra com os vilões. Pode-se pensar num filme monótono, de tão conservador.
E no entanto é o exato inverso. Um só exemplo. Em dado momento, Adam conversa com Margaret, que, enquanto narra as muitas desditas de sua vida ao filho, abre a cortina de sua mansão. E, à medida que abre, ali aparece, saída da nada, e como numa tela de cinema, uma velha opereta de Jeanette MacDonald...
Quem achava a coisa conservadora até então, com certeza dará um pulo na poltrona. E mais virá, pois se cada sequência em si parece retrógrada, o enfileiramento delas contradiz essa impressão.
Pois o que "A Outra" tem de arrebatador é a total falta de pudor de ser aquilo que é: um filme. E, por conseguinte, a completa liberdade com que trabalha lugares comuns do cinema popular e os resgata -pois em nenhum momento esquece-se que esses personagens de olhares adocicados vêm do vulcão do Oriente Médio.
Por tudo isso, "A Outra" é certamente um dos filmes mais intrigantes, amargos, vitais e trágicos dos últimos anos. Estamos em outra geração (Chahine faz 78 anos no dia 26) e outro país, mas, junto com o israelense Amos Gitai, trata-se de um cinema do Oriente Médio com vigor e atualidade à altura dos problemas de lá.


A Outra
El Akhar
    
Produção: Egito/França, 1999
Direção: Youssef Chahine
Com: Nabla Ebeid, Mahmoud Hemeida
Quando: a partir de hoje no Top Cine



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