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JAZZ EM SOL MAIOR
Sun Ra Arkestra, concebida pelo maestro que dizia ter vindo de Saturno, aterrissa em maio em SP
CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A orquestra e o espírito musical
de Sun Ra, a figura mais bizarra e
misteriosa de toda a história do
jazz, vão aterrissar pela primeira
vez no Brasil. Atração confirmada
para a quinta edição do Chivas
Jazz Festival, que acontecerá de 5
a 8 de maio, em São Paulo e Rio, a
Sun Ra Arkestra trará sua dissonante performance multimídia,
composta por diversos estilos de
jazz e música negra, sons espaciais, dança e efeitos cênicos.
Apesar de terem perdido seu líder em 1993, os integrantes da
Sun Ra Arkestra têm visto crescer,
especialmente nos últimos anos, o
interesse pela herança musical do
polêmico compositor, arranjador, tecladista e precursor do jazz
de vanguarda, que afirmava ter
nascido no planeta Saturno.
"Estamos aqui numa missão",
diz à Folha por telefone, de Nova
York, o percussionista paulista Élson Nascimento, 48, parafraseando seu guru musical. Integrante
da Sun Ra Arkestra há 15 anos, ele
se mudou para os EUA em 1981,
levando um surdo e algumas fantasias da escola de samba Mocidade Alegre, pela qual desfilava.
Na primeira vez que tocou com
Sun Ra, num show em Chicago,
Nascimento entrou no palco com
um lençol enrolado no corpo.
"Foi tudo meio improvisado. Eu
nem sabia direito o que iria fazer",
ri. Mas, por trás da aparente descontração, o músico encontrou
músicos disciplinadíssimos, que
levavam a música a sério.
"O Sun Ra costumava dizer que
a sinceridade e a disciplina eram
essenciais na música. Você não
engana o Criador. A música tem
que ser pura, tem que sair do coração", repete o percussionista,
citando seu mestre. "Ele não queria compactuar com as coisas
ruins que os humanos fazem neste planeta. Por isso dizia que tinha
vindo de Saturno", explica.
Outro aspecto impressionante
do mestre, conta Nascimento, era
a capacidade de realizar seus projetos quase sem estrutura alguma.
"Se você tem tudo à mão, fica fácil. O negócio é fazer as coisas sem
ter o apoio de ninguém. O Sun Ra
gravou mais de 200 discos, sem
contar com o apoio de uma grande gravadora", argumenta.
Membro da Sun Ra Arkestra
desde 1958, o saxofonista Marshall Allen, 79, assumiu a direção
musical da banda em 1995, mas já
auxiliava o líder desde os anos 70.
"Hoje posso levar para a Arkestra
material que eu mesmo escrevo,
ou qualquer outra música. Como
trabalho do mesmo modo que
Sun Ra, a Arkestra continua soando como sempre soou. O espírito
é o mesmo", afirma Allen.
Uma das lições essenciais que
Allen diz ter aprendido com Sun
Ra foi a de "sempre seguir as vibrações de cada dia". "Ele tinha
três, quatro até cinco diferentes
arranjos para uma mesma música. Podia seguir as vibrações do
momento, em vez de ficar tocando a mesma coisa, o mesmo arranjo sempre. Assim você consegue captar o diferente espírito de
cada dia", ensina o saxofonista.
"Sun Ra dizia coisas que eu
mesmo só vim a entender cinco,
dez anos mais tarde. Muita gente
não conseguia absorver nossa
música antes, mas agora consegue. É algo como os computadores, que hoje são simples de manusear. Certas coisas levam tempo para serem assimiladas, e a
música, como a nossa, é uma delas", analisa.
Foi por essa razão, explica o líder da Arkestra, que ele e seus
parceiros jamais se preocuparam
com críticos mais conservadores,
que chegaram a chamar Sun Ra
de charlatão e enganador.
"Apesar dessas opiniões, as pessoas que freqüentaram nossos
concertos sempre se mostraram
preparadas para ouvir nossa música e saíam felizes de nossos
shows. A questão é que muita
gente toca apenas por dinheiro. Se
você toca acima de tudo para si
mesmo, com sinceridade, pode
fazer uma música melhor. E com
ela pode ajudar a fazer um mundo
melhor", conclui Allen.
Carlos Calado é crítico de música e autor de "O Jazz Como Espetáculo", entre
outros livros
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