São Paulo, sexta-feira, 23 de fevereiro de 2001

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CRÍTICA

Quando os yuppies dominavam a Terra

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Os irritantes dot.commers -estes nerds endinheirados que até o ano passado conquistaram o mundo com suas ponto.com, seus i.p.o's (de preferência na frase: "O meu "aipiou" foi um sucesso"), seus planos mirabolantes- há década e meia tinham outro nome. Chamavam-se yuppies e trabalhavam no mercado financeiro. Usavam suspensórios, gel no cabelo, exibiam máquinas de fazer sushi em seus lofts e colocavam as carreiras (de cocaína e profissionais) acima de tudo. Dominavam a Terra.
Passados os anos, metade está na cadeia por fraude, metade está em clínica de reabilitação de drogados, metade casou e tem filhos e metade se associou com nerds dot.commers (não estranhe a soma, havia muito mais do que duas metades neste mundo em que tudo era superlativo).
Enquanto a era da Internet ainda espera a obra definitiva que a traduza, os yuppies e os anos 80 tiveram pelo menos dois clássicos a representá-los, o livro "A Fogueira das Vaidades", de Tom Wolfe, e o subestimado filme "Wall Street", de Oliver Stone.
E, agora, este "Psicopata Americano", que estréia hoje, baseado no grande livro de Bret Easton Ellis, de 1990. É dele também o autobiográfico "Abaixo de Zero", escrito aos 23 anos, que deu origem a outro bom filme, em 1987.
Aqui, conta a história do jovem e ambicioso corretor financeiro Patrick Bateman, que trabalha na Wall Street dos anos 80, sua noiva fútil (Reese Whiterspoon), a secretária fiel (Chloë Sevigny) e a amante drogada (Samantha Mathis). Ele leva uma vida dupla.
O outro lado de sua personalidade é um sádico serial killer, que mantém um apartamento secreto onde se diverte em retalhar prostitutas enquanto recita críticas de álbuns da época (Phil Collins, Whitney Houston) e para onde leva rivais e todos que aparentemente impeçam sua ascensão ao topo do mundo.
Mas é isso mesmo?
Este roteiro improvável caiu nas mãos de Mary Harron. A canadense estreou no longa com "Um Tiro para Andy Warhol", mas não a tenha em má conta por isso. Aqui, faz uma obra tão perturbadora quanto o livro, com cenas que rivalizam com a do cérebro degustado de "Hannibal" no quesito "dificuldade de ver até o fim".
Recria cuidadosamente a atmosfera consumista e estéril da época, a década perdida, e deve grande parte de seu incômodo à interpretação do galês Christian Bale. Se você não se lembra, o herdeiro racista de "Shaft" e o repórter investigativo de "Velvet Goldmine". E o menino de "O Império do Sol", de Spielberg, de 1987.
Está em seu melhor nos pequenos detalhes, como quando compara seu cartão de visitas com o dos colegas e fica satisfeito por sua letra em relevo ser a mais elegante. Até que chega um outro, com um cartão ainda melhor, e então ele se transforma.
Repare no filme que a TV exibe quando Patrick/Christian está malhando na bicicleta em seu apartamento: "O Massacre da Serra Elétrica". Não é por acaso.



Psicopata Americano
American Psycho

   
Direção: Mary Harron
Produção: EUA, 2000
Com: Christian Bale, Willem Dafoe Quando: a partir de hoje nos cines ABC Plaza Shopping, Top Cine e circuito




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