São Paulo, sexta-feira, 23 de fevereiro de 2001

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GASTRONOMIA

NATURAL

Francês é responsável pela cozinha do restaurante Arpège, em Paris
Chef Alain Passard adere ao cardápio vegetariano

JOSIMAR MELO
COLUNISTA DA FOLHA

O chão de estrelas tremeu na França com a mais recente investida do inquieto e genial chef Alain Passard, do restaurante Arpège, um dos poucos (são apenas oito) laureados com as três estrelas do guia "Michelin" em Paris. Em seu novo menu, que estreou no final de janeiro, ele anunciou uma verdadeira heresia: seu cardápio tornou-se vegetariano.
Ele mesmo afirmou ter parado de comer carnes e agora estaria transferindo o novo hábito para a clientela. "Não há mais o que criar com as carnes", declarou, lançando-se ao desafio de provar que é possível fazer uma alta cozinha francesa baseada nos legumes. "Eles podem ser preparados de muitas formas que não cozinhando em água e muito menos no vapor", disse numa concorrida entrevista.
Para muita gente, pareceu um golpe oportunista para aproveitar o temor histérico que tomou a Europa com a doença da vaca louca. Passard garante que não há relação com o assunto.
O espanto foi generalizado, deixando um pouco desnorteados grandes chefs de todo o mundo. Os jornais franceses deram chamadas de capa; nos Estados Unidos, o "The New York Times" deu manchete em suas páginas de notícias internacionais.
Tanta repercussão se explica não só porque a França, país onde ser vegetariano é considerado no mínimo esquisito, tem uma variada vida animal que sustenta uma gastronomia riquíssima, mas também porque Passard, de 43 anos, há 30 na profissão, ganhou fama internacional como o rei do fogo, o chef dos assados.
Ele foi o que melhor dominou as temperaturas da grelha ou do forno e os tempos de cozimento, levando à perfeição os pontos dos assados, fosse um peito de codorna, uma perna de cordeiro ou uma cabeça de porco. Sua técnica de submeter as carnes a temperaturas moderadas e persistentes, movendo-as durante horas, obtém uma perfeita distribuição dos sucos internos, além das crostas finíssimas e crocantes.
Sua minúcia era aplicada igualmente para os frutos do mar, orgulho de sua região, a Bretanha, de onde ele mandava vir diariamente a maioria dos peixes e crustáceos.
Agora essa arte está perdida ou redirecionada. São os legumes os atuais objetos da perícia do chef. Segundo ele, não se trata de um vegetarianismo estrito: ainda há lugar para os pescados, para o caldo de galinha, até mesmo um eventual peito de pombo.
Mas, quando aparecem, as carnes, quase somente de frutos do mar, têm invertido seu peso tradicional: viraram pequenas guarnições em pratos em que os vegetais são as estrelas. Estes são levemente refogados ou assados e utilizados em combinações inspiradas.
O novo cardápio do Arpège traz criações como fondue de cebolas com verde de alho-poró; ravióli de soja com raiz-forte; sopa fria de nabo; musse de abacate com tarama de lagostim e caviar da Aquitânia; aipo-rábano com castanhas e molho de trufas. O atual menu é dedicado às trufas de inverno.
Elas entram no lugar de iguarias antes meticulosamente escolhidas e que ele trazia de toda a França, como o cordeiro de Lozère, o frango de Janze, o cuco de Malines, as rãs do Dombe... Para desespero de parte dos gourmets, que termina a refeição sentindo falta de um encerramento mais consistente, de um ápice que não chega nunca depois de sucessivos pratos (dez, no menu gastronômico) com ares de entrada.
Um problema adicional, para horrorizar esses gourmets: o que fazer com os vinhos? Que fim dar aos grandes bordeaux e bourgognes tintos, orgulhos da França (mas inadequados para as levíssimas combinações de vegetais)?
Para saber a resposta, é necessário ir ao Arpège (rue de Varenne, 84, Paris, tel. 00/xx/331/45-51-47-33). E sem a esperança de que, com o banimento do foie gras ou das caças da estação, a conta saia mais barata.
Os menus gastronômicos continuarão girando em torno de R$ 200 (no almoço) e mais de R$ 300 (no jantar), fora bebidas, como em qualquer outro três estrelas de Paris.
Segundo Passard, o preço se justifica porque ainda há ingredientes caros (como as trufas) e é mais trabalhoso cuidar dos vegetais (que exigiriam mais atenção para não passar do ponto) do que das carnes, o que implica maior investimento em pessoal.
A conta não parece fechar, mas, em todo caso, o barulho causado pelo anúncio do chef fez com que as reservas em seu restaurante, que exigiam três semanas de antecedência, estejam agora com cinco semanas de espera. Em parte por curiosidade do público. E também porque Passard conseguiu mais uma vez angariar as atenções com sua verve polêmica.


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