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GASTRONOMIA
NATURAL
Francês é responsável pela cozinha do restaurante Arpège, em Paris
Chef Alain Passard adere ao cardápio vegetariano
JOSIMAR MELO
COLUNISTA DA FOLHA
O chão de estrelas tremeu na
França com a mais recente investida do inquieto e genial chef
Alain Passard, do restaurante Arpège, um dos poucos (são apenas
oito) laureados com as três estrelas do guia "Michelin" em Paris.
Em seu novo menu, que estreou
no final de janeiro, ele anunciou
uma verdadeira heresia: seu cardápio tornou-se vegetariano.
Ele mesmo afirmou ter parado
de comer carnes e agora estaria
transferindo o novo hábito para a
clientela. "Não há mais o que criar
com as carnes", declarou, lançando-se ao desafio de provar que é
possível fazer uma alta cozinha
francesa baseada nos legumes.
"Eles podem ser preparados de
muitas formas que não cozinhando em água e muito menos no vapor", disse numa concorrida entrevista.
Para muita gente, pareceu um
golpe oportunista para aproveitar
o temor histérico que tomou a Europa com a doença da vaca louca.
Passard garante que não há relação com o assunto.
O espanto foi generalizado, deixando um pouco desnorteados
grandes chefs de todo o mundo.
Os jornais franceses deram chamadas de capa; nos Estados Unidos, o "The New York Times" deu
manchete em suas páginas de notícias internacionais.
Tanta repercussão se explica
não só porque a França, país onde
ser vegetariano é considerado no
mínimo esquisito, tem uma variada vida animal que sustenta uma
gastronomia riquíssima, mas
também porque Passard, de 43
anos, há 30 na profissão, ganhou
fama internacional como o rei do
fogo, o chef dos assados.
Ele foi o que melhor dominou as
temperaturas da grelha ou do forno e os tempos de cozimento, levando à perfeição os pontos dos
assados, fosse um peito de codorna, uma perna de cordeiro ou
uma cabeça de porco. Sua técnica
de submeter as carnes a temperaturas moderadas e persistentes,
movendo-as durante horas, obtém uma perfeita distribuição dos
sucos internos, além das crostas
finíssimas e crocantes.
Sua minúcia era aplicada igualmente para os frutos do mar, orgulho de sua região, a Bretanha,
de onde ele mandava vir diariamente a maioria dos peixes e
crustáceos.
Agora essa arte está perdida ou
redirecionada. São os legumes os
atuais objetos da perícia do chef.
Segundo ele, não se trata de um
vegetarianismo estrito: ainda há
lugar para os pescados, para o caldo de galinha, até mesmo um
eventual peito de pombo.
Mas, quando aparecem, as carnes, quase somente de frutos do
mar, têm invertido seu peso tradicional: viraram pequenas guarnições em pratos em que os vegetais
são as estrelas. Estes são levemente refogados ou assados e utilizados em combinações inspiradas.
O novo cardápio do Arpège traz
criações como fondue de cebolas
com verde de alho-poró; ravióli
de soja com raiz-forte; sopa fria de
nabo; musse de abacate com tarama de lagostim e caviar da Aquitânia; aipo-rábano com castanhas
e molho de trufas. O atual menu é
dedicado às trufas de inverno.
Elas entram no lugar de iguarias
antes meticulosamente escolhidas e que ele trazia de toda a França, como o cordeiro de Lozère, o
frango de Janze, o cuco de Malines, as rãs do Dombe... Para desespero de parte dos gourmets,
que termina a refeição sentindo
falta de um encerramento mais
consistente, de um ápice que não
chega nunca depois de sucessivos
pratos (dez, no menu gastronômico) com ares de entrada.
Um problema adicional, para
horrorizar esses gourmets: o que
fazer com os vinhos? Que fim dar
aos grandes bordeaux e bourgognes tintos, orgulhos da França
(mas inadequados para as levíssimas combinações de vegetais)?
Para saber a resposta, é necessário ir ao Arpège (rue de Varenne,
84, Paris, tel. 00/xx/331/45-51-47-33). E sem a esperança de que,
com o banimento do foie gras ou
das caças da estação, a conta saia
mais barata.
Os menus gastronômicos continuarão girando em torno de R$
200 (no almoço) e mais de R$ 300
(no jantar), fora bebidas, como
em qualquer outro três estrelas de
Paris.
Segundo Passard, o preço se justifica porque ainda há ingredientes caros (como as trufas) e é mais
trabalhoso cuidar dos vegetais
(que exigiriam mais atenção para
não passar do ponto) do que das
carnes, o que implica maior investimento em pessoal.
A conta não parece fechar, mas,
em todo caso, o barulho causado
pelo anúncio do chef fez com que
as reservas em seu restaurante,
que exigiam três semanas de antecedência, estejam agora com cinco semanas de espera. Em parte
por curiosidade do público. E
também porque Passard conseguiu mais uma vez angariar as
atenções com sua verve polêmica.
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