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Crítica/"O Grande Vazio"
Entrevistas de Norman Mailer parecem conversa de botequim
"O Grande Vazio" traz diálogos entre escritor e seu filho sobre política e outros temas
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
John Buffalo Mailer, filho
de Norman, diz a certa
altura de "O Grande Vazio", livro que registra diálogos
entre ambos sobre uma miríade de temas, que o pai ganhou
dinheiro suficiente em seus até
então 82 anos de vida para ter
usufruído de muitos confortos
e ainda deixar algum para ele e
seus oito irmãos.
Portanto, é possível supor
que não foi necessidade material que motivou a dupla a editar essa coletânea de bate-papos e entrevistas velhas, que
mais parecem conversa de botequim ou de motorista de táxi
do que um trabalho concebido
para chegar a uma audiência
com algum propósito de suscitar debate ou reflexão.
Como Norman Mailer, morto em novembro de 2007 aos 84
anos, foi um dos grandes personagens da cena cultural do Ocidente no século 20, frases inteligentes saíam de sua boca mesmo quando falava de maneira
descompromissada, como nos
registros desse livro.
São particularmente interessantes as observações que pai e
filho -com uma diferença de
55 anos de idade entre si- fazem a respeito da cultura da internet. John Buffalo, nascido
em 1978, menciona que a sua
foi a última geração a conhecer
o mundo antes da revolução
tecnológica.
"Em 1996, o ano em que me
formei no [ensino] secundário,
a biblioteca de nossa escola tinha três computadores com
acesso à internet. Existia esse
instrumento chamado internet, que poderia ajudar nas pesquisas se você quisesse usá-lo...
De fato, o que nos recomendavam era usar as pilhas de livros
da biblioteca. Quatro anos mais
tarde, quando me formei na
universidade, era preciso se
matricular nas aulas através da
internet. Não havia alternativa", lembra.
Abismo entre gerações
Ao que Norman responde:
"Enquanto você falava, eu estava pensando no vasto abismo
entre sua geração e a minha...
Como você bem sabe, eu não sei
sequer ligar um computador.
Como bom ludita que sou, para
mim é questão de honra não
usar computador. Ao mesmo
tempo, aproveito todas as vantagens do computador porque
tenho uma excelente assistente
que trabalha comigo há muitos
anos e adora computadores".
Para o pai, parte dos malefícios psíquicos que assolam a
geração do filho advém do fato
de escrever diretamente no
computador, que une dois processos essencialmente opostos
(escrever e corrigir), que exigem habilidades diferentes.
O mais grave, no entanto, em
sua opinião, é que o extraordinário progresso tecnológico recente -"como se tivéssemos
comprimido dois ou três séculos nos últimos 50 anos"- tornou o mundo muito mais poderoso e, contudo, muito mais carente sensualmente.
"Há mais barulho, mais confusão, mais interrupções. Sinto
que estamos perdendo a capacidade de nos concentrar. Parece que todos têm a sensação de
que sua memória está ficando
mais apagada... Hoje o conhecimento é fácil demais de se adquirir. [Na minha infância] Se
você quisesse aprender alguma
coisa, tinha de acordar no sábado de manhã, ir até a biblioteca,
passar por uma bibliotecária e,
por fim, tinha de aprender a
procurar a informação que desejava. E nesse processo você
entrava em contato com livros
que tinham seu aroma, suas vibrações. Você vivia em um
meio cultural que era ressonante".
Pena que este tipo de conversa, nas primeiras páginas de "O
Grande Vazio", logo seja sucedida por muitas outras sobre
assuntos antigos e perenes (como a eleição presidencial americana de 2004) e opiniões muito menos embasadas na auto-experiência. Não faltam lugares-comuns, especulações sem
fundamento, delírios, até leviandades intelectuais -com
um ou outro lampejo da genialidade do grande autor de "Os
Nus e os Mortos".
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é livre-docente e doutor em comunicação pela Universidade de São Paulo e apresentador do programa
"Roda Vida" (TV Cultura).
O GRANDE VAZIO - DIÁLOGOS SOBRE POLÍTICA, SEXO, DEUS, BOXE, MORAL, MITO, PÔQUER E
MÁ CONSCIÊNCIA NA AMÉRICA
Autor: Norman Mailer e John Buffalo
Mailer
Tradução: Isa Mara Lando
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 37,50 (184 págs.)
Avaliação: ruim
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