São Paulo, sábado, 23 de fevereiro de 2008

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Crítica/"O Grande Vazio"

Entrevistas de Norman Mailer parecem conversa de botequim

"O Grande Vazio" traz diálogos entre escritor e seu filho sobre política e outros temas

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

John Buffalo Mailer, filho de Norman, diz a certa altura de "O Grande Vazio", livro que registra diálogos entre ambos sobre uma miríade de temas, que o pai ganhou dinheiro suficiente em seus até então 82 anos de vida para ter usufruído de muitos confortos e ainda deixar algum para ele e seus oito irmãos.
Portanto, é possível supor que não foi necessidade material que motivou a dupla a editar essa coletânea de bate-papos e entrevistas velhas, que mais parecem conversa de botequim ou de motorista de táxi do que um trabalho concebido para chegar a uma audiência com algum propósito de suscitar debate ou reflexão.
Como Norman Mailer, morto em novembro de 2007 aos 84 anos, foi um dos grandes personagens da cena cultural do Ocidente no século 20, frases inteligentes saíam de sua boca mesmo quando falava de maneira descompromissada, como nos registros desse livro.
São particularmente interessantes as observações que pai e filho -com uma diferença de 55 anos de idade entre si- fazem a respeito da cultura da internet. John Buffalo, nascido em 1978, menciona que a sua foi a última geração a conhecer o mundo antes da revolução tecnológica.
"Em 1996, o ano em que me formei no [ensino] secundário, a biblioteca de nossa escola tinha três computadores com acesso à internet. Existia esse instrumento chamado internet, que poderia ajudar nas pesquisas se você quisesse usá-lo...
De fato, o que nos recomendavam era usar as pilhas de livros da biblioteca. Quatro anos mais tarde, quando me formei na universidade, era preciso se matricular nas aulas através da internet. Não havia alternativa", lembra.

Abismo entre gerações
Ao que Norman responde: "Enquanto você falava, eu estava pensando no vasto abismo entre sua geração e a minha...
Como você bem sabe, eu não sei sequer ligar um computador.
Como bom ludita que sou, para mim é questão de honra não usar computador. Ao mesmo tempo, aproveito todas as vantagens do computador porque tenho uma excelente assistente que trabalha comigo há muitos anos e adora computadores".
Para o pai, parte dos malefícios psíquicos que assolam a geração do filho advém do fato de escrever diretamente no computador, que une dois processos essencialmente opostos (escrever e corrigir), que exigem habilidades diferentes.
O mais grave, no entanto, em sua opinião, é que o extraordinário progresso tecnológico recente -"como se tivéssemos comprimido dois ou três séculos nos últimos 50 anos"- tornou o mundo muito mais poderoso e, contudo, muito mais carente sensualmente.
"Há mais barulho, mais confusão, mais interrupções. Sinto que estamos perdendo a capacidade de nos concentrar. Parece que todos têm a sensação de que sua memória está ficando mais apagada... Hoje o conhecimento é fácil demais de se adquirir. [Na minha infância] Se você quisesse aprender alguma coisa, tinha de acordar no sábado de manhã, ir até a biblioteca, passar por uma bibliotecária e, por fim, tinha de aprender a procurar a informação que desejava. E nesse processo você entrava em contato com livros que tinham seu aroma, suas vibrações. Você vivia em um meio cultural que era ressonante".
Pena que este tipo de conversa, nas primeiras páginas de "O Grande Vazio", logo seja sucedida por muitas outras sobre assuntos antigos e perenes (como a eleição presidencial americana de 2004) e opiniões muito menos embasadas na auto-experiência. Não faltam lugares-comuns, especulações sem fundamento, delírios, até leviandades intelectuais -com um ou outro lampejo da genialidade do grande autor de "Os Nus e os Mortos".


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é livre-docente e doutor em comunicação pela Universidade de São Paulo e apresentador do programa "Roda Vida" (TV Cultura).

O GRANDE VAZIO - DIÁLOGOS SOBRE POLÍTICA, SEXO, DEUS, BOXE, MORAL, MITO, PÔQUER E MÁ CONSCIÊNCIA NA AMÉRICA
Autor:
Norman Mailer e John Buffalo Mailer
Tradução: Isa Mara Lando
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 37,50 (184 págs.)
Avaliação: ruim


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