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Parada gay atrai 200 mil em Sidney
ANDRÉ FISCHER
especial para a Folha, em Sydney
A surpreendente dimensão das
comemorações dos 20 anos da primeira parada gay e lésbica em
Sydney (Austrália) está tornando
a futura sede olímpica em seríssima candidata a ganhar o título de
capital gay do Hemisfério Sul.
Durante todo o mês de fevereiro,
mais de cem eventos de arte, música, política, festas e artes visuais
devem atrair mais de 200 mil visitantes GLS (gays, lésbicas e simpatizantes) para o que já se tornou o
principal marco turístico australiano.
Tudo começou em junho de
1978, quando ativistas de Sydney
resolveram comemorar os nove
anos do levante de Stonewall, primeira rebelião civil pelos direitos
dos homossexuais, encabeçada
por travestis no bairro do Village,
em Nova York, e considerado
marco zero na história recente do
movimento gay.
A parada organizada reuniu cerca de mil pessoas e terminou em
pancadaria após repressão policial
e prisão de mais de 50 manifestantes. O confronto gerou na época
uma verdadeira caça às bruxas.
O "Sydney Morning Herald",
um dos maiores jornais do país,
publicou ficha completa dos presos no conflito, que sofreram perseguições e formaram um grupo
chamado posteriormente 78ers.
A sociedade em geral reagiu a essa situação, grupos gays organizados pipocaram em todo o país e
muita coisa mudou na ilha continente desde então.
As drag-queens de "Priscilla - A
Rainha do Deserto" tomaram o lugar do chauvinista "Crocodile
Dundee" como imagem de exportação do país.
Os 78ers gozam de status semelhante ao dos veteranos de guerra
e os homossexuais têm inegável
visibilidade no cotidiano de
Sydney.
Para evidenciar o caráter festivo
da versão local da celebração do
orgulho gay, foi decidida, ainda
nos anos 80, a transferência da data original no final de junho para o
final do verão, coincidindo com o
carnaval (o nome "mardi gras"
originalmente significa terça-feira
gorda e hoje funciona nos países
de língua inglesa como um sinônimo da festa de momo).
Organização
Desde então, o "mardi gras" deixou de ser um mero aglomerado
de homossexuais bem intencionados para se tornar uma organização empresarial que trabalha o
ano todo, com 18 funcionários,
1.500 voluntários, administrando
um orçamento anual de US$ 4 milhões. Somente a venda de ingressos para a babilônica festa de encerramento, após a movimentação da Parada do Mardi Gras deste
ano, a organização deve angariar
mais de US$ 1,5 milhão, sem contar os patrocínios.
Essas cifras explicam em parte o
apoio da iniciativa privada e órgãos públicos locais. Um estudo
de 1996 indicava que o Mardi Gras
gerou mais de US$ 50 milhões aos
cofres da cidade em menos de 30
dias e com isso ganhou apoio até
mesmo do conservador prefeito.
Eventos paralelos
Desde o início deste mês, dezenas de galerias de arte abrigam
animadas vernissages com obras
em torno da temática homossexual. Até o fim de fevereiro, o público do circuito das artes pode escolher dentro de um variado cardápio que inclui exposições de
ilustrações sobre "bears" (homens
peludos), fotos do circuito de
King's Cross (bairro gay da cidade) e uma mostra coletiva de fotógrafos europeus e norte-americanos consagrados, que se dedicam
a retratar o corpo masculino.
Na última quinta-feira, foi aberto o 5º Mardi Gras Filme Festival,
com a exibição de "It's in the Water" (A Culpa É da Água), exibido
em salas brasileiras durante o Festival Mix Brasil de 97.
Este ano, o festival exibe retrospectiva da produção cinematográfica gay e lésbica da Oceania, longas-metragens e programas de
curtas de todo mundo e pela segunda vez promove o My Queer
Career, disputado concurso que
concede prêmios em dinheiro aos
novos realizadores homossexuais
australianos e neozelandeses.
Nos teatros da cidade, estão em
cartaz 15 espetáculos que atraem a
atenção pela originalidade dos temas, como o dramalhão biográfico sobre o assumidíssimo pianista
norte-americano Liberace e "Joey
Stefano Story", uma encenação
semi-erótica do famoso ator pornô gay, morto por overdose no começo dos anos 90.
Durante essa semana, acontecem ainda a primeira regata náutica gay e encontros das mais variadas agremiações, de mergulhadores a religiosos. O ápice das comemorações será no próximo dia 28,
quando mais de 500 mil pessoas
devem assistir à Parada que cruza
as ruas da cidade com carros alegóricos e grupos temáticos, divididos em alas, lembrando uma edição mais informal e sem vencedores dos desfiles dos sambódromos
brasileiros.
A presidente do Sydney Lesbian
and Gay Mardi Gras, Bev Lange,
faz questão de reafirmar o sentido
político original da data para os
que hoje se embalam no apelo comercial e turístico da festa.
"Tudo isso acontece para que tenhamos anualmente uma oportunidade para reafirmar nosso lugar
na comunidade e lembrar aqueles
que se expuseram sem medo, para
que alcançássemos alguns avanços", afirma Lange.
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