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Acabou o papo-furado da "globalização inocente"
ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas
Eu vagueio pelos jornais e revistas de economia, como um
louco, tentando entender o que
nos aconteceu. E vou catando
indícios, na esperança de que
algo possa ajudar na formulação de uma política "crítica"
que defendesse nossa localidade brasileira. O elogio da "complexidade", das forças ocultas
que provocaram a grande crise
global, o apelo excessivo ao
"indeterminismo" só nos paralisa. Como podemos entender o
que nos aconteceu? Como armamento, só temos as velhas
carabinas esquemáticas do antigo "nacional", que a burrice e
o oportunismo estão encampando gostosamente -vejam
o surgente MRIF ("Movimento
Revolucionário Itamar Franco" -o "Exército brancaleone" das oposições sem rumo).
Lendo ensaios de economistas alternativos como Paul
Krugman, Jeffrey Sachs e, recentemente, a excelente série
de quatro artigos de Nicholas
D. Kristof ("O Contágio Global") no "NY Times", sem contar frases soltas, peruadas, chutes de economistas do mundo
todo, já dá para fazer a listinha
de algumas evidências que vão
clarear a história desta época
gelatinosa. Algumas "trêmulas
certezas":
a política de abrir mercados,
a qualquer custo, foi a única
ideologia do Tesouro americano e do FMI, enfunados pelos
ventos do pós-guerra fria. Eufóricos com a "vitória" da "democracia", nome que eles dão
ao "mercado aberto", no seu
eterno raciocínio de curto prazo, os EUA forçaram a barra no
mundo, impondo, com a truculência anglo-saxã, uma lógica
contábil americana. Esse "programa de ação", formulado no
papel, veio desde o início da
primeira campanha de Clinton
à presidência. Abriram fronteiras no peito, estimulados pelos
representantes do capital financeiro que apoiaram o galã
de Monica Lewinsky: os bancos, as companhias de seguros e
corretoras -a "indústria financeira" de Wall Street, que
a-do-rou a febre de "take
overs" e "mergers" na Ásia e
América Latina.
Essa política, sob as aparências de "modernização do
mundo" foi, no duro, uma fórmula única, a tática de "cobertor" para todos os países, sem
contemplar diferenças culturais, detalhes estruturais das
nações.
O "crash" não se deveu apenas ao "clientelismo" ("cronyism" -a palavra mágica que
eles pespegam em todos os governos "emergentes"). Nós não
prestamos, sem dúvida, mas a
grande parte da culpa se deve
aos formuladores dessa política em Washington, aos vorazes
banqueiros ocidentais que enfiaram dinheiro goela abaixo
dos asiáticos. É culpa também,
claro, dos burocratas "sub" que
chafurdaram no dinheiro que
jorrava para fazer empreendimentos deslumbrados e luxuosos. Três foram os excessos dos
"emergentes", como diz o artigo de Kristof: excessivo endividamento, excessivo investimento e capacidade excessiva
sem demanda.
Os países da Ásia (e, agora,
nós, já por baixo da carne-seca...) eram "playgrounds" para
grandes picaretagens chamadas de "carry trade", que podemos traduzir por "bicicletinhas", "barrigas de aluguel" ou
outras sinistras pilherias que os
estouvados rapazes do mercado inventam. Maravilhoso esporte: pegar empréstimos em
yen a 2% ou em dólar a 4%,
comprar bastante ""bahts" ou
"reais" e aplicar nos altos juros
locais. Depois, antes da desvalorização das miseráveis moedas supercotadas, voltar alegremente para o mundo desenvolvido.
Modernidade tem dono.
"Modernização" é adaptar o
mundo às necessidades de expansão de seus capitais. Mais
nada. Tanta é a força negocial
dos americanos que corta a esperança de criarmos alternativas de "terceira via", como
FHC achou que conseguiria
(tentou?). Apesar dos sorrisos
de Clinton chutando a bola
com Pelé na Mangueira, é impensável qualquer "nuance"
para americanos. Não há isso.
Só raciocinam por "ou/ou";
nunca "e/e".
Acaba o mito da "inocência"
da globalização. O que está em
jogo é hegemonia. O resto é papo. A política econômica dos
USA foi tocada como uma operação de guerra. O Robert Rubin chegou a se comparar ao
McNamara durante a guerra
do Vietnã: "Fomos muito invasivos, como fomos no Vietnã".
No Tesouro americano há um
"Salão de Guerra" (War
Room). Nas reuniões, até a CIA
vai. Quando o Japão pensou
em criar um FMI oriental de
salvação para a Ásia, Rubin e
Larry Summers correram, uivando de ódio como "marines"
para segurar os "japorongas".
"Isso ameaçaria nossa influência na Ásia", disseram. São tão
auto-suficientes que não escondem nada. Durante a queda da
Indonésia na miséria (mais de
50% abaixo do nível de pobreza), os estudantes quebraram o
pau na rua. Rubin: "Se ao menos a falência da Indonésia tivesse sido durante as férias estudantis, teria sido melhor para a transição".
Americano também é clientelista e protecionista. Ver a ajuda ao "hedge fund" LTMC,
quando o FED em pânico arranjou bilhões em meia hora
para os elegantes especuladores.
Vejam também a denúncia
contra o nosso aço exportado
para os USA, semana passada.
O mundo está "alavancado".
A riqueza que ronda é duplamente virtual. Primeiro porque
não corresponde à produção
real de mercadorias. São dígitos impalpáveis boiando no ciberespaço. E, pior ainda, são
papéis "alavancados", com
pouca ancoragem no mundo
real do valor. Um fantasma
dentro do outro. Pega-se dinheiro em banco para apostar
em futuro de derivativos. E o
futuro não pode chegar nunca,
senão o mundo quebra.
Com as "burras" entupidas
do dinheiro fugido do mundo
todo, com a esquadra lastreando a moeda, eles dizem que a
culpa foi nossa, dos "underdogs". Ou que a crise teria sido
"blessing in disguise" (uma
benção disfarçada) para nós
aprendermos a ser iguais a eles.
Agora, deram para fazer autocrítica, que é a última moda no
Tesouro. O ex-vice Walter
Mondale disse: "Deveríamos
ter sido mais humildes".
Greenspan falou em "hubris"
("desmesura" em grego, palavra que eles adoram e usam
quando sua ambição sai pela
culatra). Fischer (ou Summers?) falou em "entender a
fragilidade dos países etc.".
Mentira. Nunca pensaram nisso. A prudência teórica nunca
vence a fome de lucro imediato.
Além disso, é mole fazer autocrítica com o bolso cheio do trilhão que entrou em T-bonds no
último ano. Difícil é fazer
"mea-culpa", roendo rapadura
no meio-fio. Baterão no peito
até a próxima "hubris" especulativa.
Uma certeza: só haverá a tal
"nova arquitetura econômica
global" ou novo "Bretton
Woods" no dia em que a crise
aportar nos USA. Enquanto
eles não sentirem o cheiro do
prejuízo, não mudarão. A obstinação a-crítica desses homens é visível em qualquer elevador de banco em NY.
Outra certeza: os países da
Ásia que deram uma "melhoradinha" foram os dois que desobedeceram o FMI: a Malásia,
controlando capitais, e a Coréia do Sul, renegociando a dívida externa. Por que não cogitamos um diferencial qualquer
para nosso caso? Mistérios tucanos. Por que não baixamos
os juros logo depois da desvalorização, quando pintou um clima favorável? "Para o FMI não
dar o braço a torcer ao Jeffrey
Sachs?" - perguntou o Krugman, o "nemesis" do Fraga?
E, finalmente, o grande segredo de que ninguém fala: é um
erro acharmos que há dois capitalismos -um, "virtuoso" e
produtivo, e o outro, "malvadinho" e especulativo. Não há
mais essa divisão. Com a crise
de produção e demanda, sem a
especulação virtual, quebra tudo. O cassino especulativo serve para esconder a próxima
grande crise do capitalismo,
até mesmo dos capitalistas. É a
peneira com que tampam os
olhos.
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