São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2000


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CRÍTICA
Comédia sublinha diversidade do Fringe

NELSON DE SÁ
enviado especial a Curitiba

Na mostra teatral mais diversificada já vista no Brasil, o Fringe vai confirmando Salvador como centro de um dos teatros mais dinâmicos, cujo expoente até aqui, no festival, foi "Idiotas Que Falam Outra Língua", encenada por Fernando Guerreiro.
O diretor baiano de comédias e musicais de besteirol como "A Bofetada" e "Camila Baker" arrisca agora um autor mais ambicioso, Rubem Fonseca, num de seus poucos textos em forma predominantemente dramática -e aparentemente incompleto, aliás.
O resultado não é nenhum mergulho autopunitivo no teatrão ou no teatro experimental, até pelo contrário: passadas as primeiras cenas pouco consistentes, em parte, registre-se, pelas limitações cômicas do protagonista, "Idiotas" ganha um ritmo que nada fica devendo à lendária (para quem vai a teatro) "Bofetada".
Com cenário e figurinos "camp", abusando de cores berrantes e da moda fora de contexto, a peça é a mais divertida até aqui no Festival de Curitiba, seja no Fringe, seja na Mostra Oficial.
Mas não faltam problemas. A trama demora a funcionar e depois termina abruptamente, sem um final. As atuações são irregulares e parecem seguir linhas diversas, o que também ajuda a entender o estranhamento do início da apresentação. De outro lado, não se conseguiu levar plenamente à cena o realismo do autor nos quadros de violência e sexo. São bem coreografados, muito bem realizados, mas o humor sem trégua os dilui. A inflexão anasalada, recurso cômico já presente nas peças anteriores de Guerreiro, não aceita variações e dificulta o aprofundamento nas obsessõesde Rubem Fonseca.
Menos escrachada, mais próxima da tradição popular do teatro nordestino, ela, que vem do reino pernambucano de Ariano Suassuna, "A Máquina" é igualmente divertida e descompromissada. Parte da Mostra Oficial, é uma engenhosa e bem acabada comédia do diretor João Falcão.
Acompanha, com traços de modernização, um personagem de linha picaresca chamado Antônio, que é desdobrado em quatro atores, todos de qualidade. Ele cria uma máquina do tempo (ou "da morte") e descobre como vencer a pobreza e demais misérias do mundo. A peça de Adriana Falcão traz o melhor teatro de Pernambuco e Paraíba ao presente, sem medo de recorrer a efeitos cênicos, também sem medo de abraçar o romance. No caso, entre Antônio e Karina, esta interpretada por Karina Falcão, de passagens emocionantes no espetáculo.
Como contraponto, ressalte-se apenas uma ligeira mas insistente superficialidade, no todo.
"Henrique 4º" nem parece, mas é outra comédia. O texto de Luigi Pirandello é dos mais inteligentes e esclarecedores da contemporaneidade, apesar de escrito em 1922, e entende-se facilmente por que foi selecionado pelo jovem elenco carioca, dirigido por Antonio Guedes.
Mas a verborragia, que leva à falta de ação, torna o espetáculo arrastado como um teatro de tese. E o protagonista, para uma peça que pretende mostrar, como registra o programa, que "a vida é menos real do que a arte", está muito pouco real. Está por demais empostado, mascarado.
Sublinhem-se a atuação desenvolta de Cláudia Ventura, ótima atriz, e a cenografia de Doris Rollemberg, desdobrando uma escadaria em várias direções, como a auto-representação confusa do personagem-título.


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