São Paulo, sábado, 23 de março de 2002

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"UMA MENTE BRILHANTE"

Livro de Nasar supera anêmico filme de Howard

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Quem é John Nash Jr.? O filme "Uma Mente Brilhante", de Ron Howard, toma tantas liberdades com a vida do matemático que às vezes duvidamos que seja o mesmo sujeito da biografia de Sylvia Nasar, na qual a fita concorrente ao Oscar se baseia.
Por exemplo: na época em que conheceu sua mulher, Alicia Larde, Nash não só estava tendo um caso com uma enfermeira chamada Eleanor Stier, como mantinha uma "amizade especial", como o próprio descreveu, com Jack Bricker, aluno de pós-graduação do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), onde lecionava.
Nash teve um filho com Eleanor, John David, o seu primogênito. O matemático não o perfilhou. Eleanor foi obrigada a requerer pensão alimentícia. Foi uma pequena comoção na família conservadora de Nash. O pai queria que o filho se casasse com Eleanor. A enfermeira ainda flagrou o matemático na cama com Alicia. E fez outro escândalo. Quem a acalmou? Jack Bricker.
Bricker não foi o único homem com quem Nash esteve "emocionalmente envolvido". Nasar arrola ao menos mais dois, Ervin Thorson, especialista em matemática aplicada, e Amasa Forrester, professor da Universidade de Washington. Nash só se decidiu casar com Alicia após ter caído numa armadilha da polícia.
Em 1954, policiais o detiveram no sanitário masculino de uma praia notoriamente gay de Santa Monica. A armação funcionava assim: um deles fingia se interessar pela vítima; quando ela sucumbia, o outro lhe dava ordem de prisão, por atentado ao pudor. A polícia depois notificou os empregadores de Nash, a Rand Corporation, um empreendimento de alta segurança da Força Aérea americana, que o despediu.
Sobre o hipotético anti-semitismo de Nash: é certo que a coisa atingiu seu auge com as crises esquizofrênicas, durante as quais se declarou imperador da Antártida, tentou renunciar à cidadania americana e também afirmou que "a raiz de todo o mal, no que diz respeito a minha vida pessoal (história de vida) são os judeus, particularmente Jack Bricker..."
Eram delírios persecutórios. Interessante a associação com Bricker. Os psicanalistas na época acreditavam que a esquizofrenia paranóica era resultado de uma homossexualidade latente. Mas, bem antes disso, no auge de sua capacidade intelectual, no MIT, Nash fez o comentário esnobe de ser "um não-judeu numa atmosfera definitivamente judaica".
Por fim, quando Nash recebeu a notícia de sua escolha para o Nobel de Economia, seu filho com Alicia estava internado. Também sofria de esquizofrenia. "É claro que eu fui um mau exemplo", observou Nash com tristeza.
Tudo isso só contribui para intensificar a complexidade de seu caso. E não empana o brilho de sua contribuição ao pensamento abstrato e à teoria econômica, embora Nasar lhe aumente demasiadamente o mérito.
A teoria dos jogos, na qual o conceito de Nash se insere, não é nem invenção sua, mas de Johannes von Neumann e Oskar Morgenstern. Nash a aperfeiçoou, sem dúvida curiosamente com apenas 21 anos e numa tese de meras 27 páginas.
Num mundo globalizado, de fusões e megaleilões, o conceito de Nash, que prevê estratégias complexas de cooperação, é essencial, mas está longe de igualar-se "à teoria da gravitação de Newton e à teoria da seleção natural de Darwin", como gostaria a biógrafa.
A própria escolha de Nash para o Nobel de Economia foi polêmica, causando uma microcrise na austera Academia Sueca, como conta Nasar, num dos melhores momentos do livro. Literalmente até o último momento houve quem quisesse derrubar a indicação do matemático. Ele andava esquecido. Muitos o julgavam morto. O Nobel o ressuscitou. Claro que nada disso está no anêmico filme de Howard. Mais um ponto para o relato de Nasar.


Uma Mente Brilhante
A Beautiful Mind    
Autora: Sylvia Nasar
Tradução: Sergio Moraes Rego
Editora: Record
Quanto: R$ 43 (588 págs.)




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