São Paulo, sábado, 23 de março de 2002

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"SOBRAL PINTO: A CONSCIÊNCIA DO BRASIL"

Olhar americano esquadrinha o "inimigo nš 1 de Getúlio Vargas"

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Até hoje aclamado brilhante advogado, defendendo gregos e troianos, sem jamais dobrar-se à pecúnia, o mineiro Sobral Pinto é o lídimo exemplo do homem com profissão, ao contrário do conterrâneo Oswald de Andrade, que exerceu a atividade pública de escritor autodefinindo-se um homem sem profissão. E mais: um homem que se encontrava sob as ordens de mamãe.
Já vai se tornando lugar comum na copiosa historiografia brasilianista a obsessão em esculhambar o que representou o presidente Getúlio Vargas na história do país. É como se os historiadores norte-americanos estivessem em perfeita sintonia ideológica à vontade de enterrar a era Vargas, com o objetivo de fazê-la sumir da memória dos brasileiros.
O conteúdo do prolixo livro do senhor John W. Foster Dulles, o anti-Nélson Werneck Sodré na maneira de narrar nossa história, corresponde ao que está anunciado no título: líder do pensamento cristão, o longevo Sobral Pinto, morto aos 98 anos em 91, é considerado a "consciência do Brasil". Essa consciência se deve, de acordo com Dulles, ao fato de Sobral Pinto, entre outras prebendas, ter encetado uma "cruzada" contra o regime de Getúlio Vargas. Satanás é Vargas para Sobral Pinto.
Ficou injuriado, nos anos 30, quando soube que uma de suas filhas, com dez anos de idade, teve de ler "História da Civilização", de Monteiro Lobato, a quem considerava um escritor de mentiras e falsificações. Amigo de Alceu de Amoroso Lima, foi adversário do laicismo educacional de Anísio Teixeira e defensor da escola pública junto com o sociólogo Florestan Fernandes. Desde os anos 30, Vargas encarnou o demônio "caudilho" por ter sido influenciado pelo positivismo castilhista gaúcho. É o Sobral Pinto antecipando a UDN. Numa carta, negou alguma novidade ao Estado Novo getuliano, porque originou-se "daquela ditadura positivista mesclada de caudilhismo gaúcho, que Júlio de Castilhos traçara para o Rio Grande do Sul nos começos da República". Ficou com fama de democrata, de inimigo da ditadura e do terrorismo policial. Em determinado momento chegou a reconhecer que Getúlio Vargas contribuiu para a melhoria da classe trabalhadora brasileira.
É uma pena que o pesquisador John W. Foster Dulles, tendo acesso às cartas de Sobral Pinto, esse epistoleiro compulsivo, não as tenha publicado integralmente. É realmente lastimável. Nessa, o leitor, não o afortunado autor, saiu perdendo deveras.


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora e autor, entre outros, de "Glauber Pátria Rocha Livre" (Senac)

Sobral Pinto: A Consciência do Brasil    
Autor: John Foster Dulles
Tradução: Flávia Araripe
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 35 (448 págs.)




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