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NOVELAS CURITIBANAS
Coletiva faz casarão renascer do zero
CRÍTICO DA FOLHA
Para a pequena platéia disposta em diagonal, o velho
casarão do Novelas Curitibanas se
expõe de quina, como preconizava Strindberg para sua "Senhorita
Júlia". Nessa velha sala esquecida
desde 1999, os pombos do forro
não raro tomam a palavra, enquanto lá fora os ônibus passam
sob o protesto dos cachorros. É
nesse contexto naturalista que jovens diretores de Curitiba, querendo escapar das armadilhas das
leis de incentivo, propõem questionar em grupo o que ainda se
pode fazer em teatro.
Cada um tem sua própria receita. Rafael Camargo, em "Prêtà-Porque", se limita a esquetes rasos
que aspiram apenas ao riso cúmplice da platéia. Fernando Kinas,
embora pretendendo um questionamento maior das falcatruas teatrais, como os clichês do drama de
amor, o marketing das formas
exóticas e o engajamento instantâneo, nesse "Titânio" apenas esboçado depende tanto quanto Camargo da condescendência do
público, se tornando falcatrua
também.
Mais madura e mais embasada,
partindo das experiências do grupo francês Théâtre de la Tentative, "A Melhor Parte do Homem"
de Giovana Soar é uma jam session de cinco atores/ diretores
questionando o próprio processo
teatral. Combinando um tom
quase espontâneo com marcas
quase arbitrárias, são bons atores
atuando para um público de iniciados.
A CiaSenhas de Sueli Araújo retoma a essencialidade de seus primeiros trabalhos para um recorte
de pequenas tragédias cotidianas.
"Bicho Corre Hoje" expõe a solidão e a sordidez de duas vizinhas
que sobrevivem pela esperança de
ganhar na loto, num fio narrativo
sustentado na técnica corporal de
Greice Barros e Patrícia Saravy.
A narrativa volta em "Moby
Dick e Ahab na Terra do Sol", sobre o impasse criativo. Gregório
General, alter-ego do autor e diretor Paulo Biscaia Filho, é um cineasta que arriscou tudo e foi execrado pela crítica. Refugiado em
um velho cinema, recebe a visita
da ex-namorada e espera se reabilitar. O falastronismo de Gregório, endossado com melancolia
por Leandro Daniel, tem belo
contraponto na delicadeza de Mariana Zanette.
A tela do cinema, através da
qual o publico vê tanto a peça
quanto a projeção invertida dos
filmes do artista-personagem,
acaba valendo enquanto metáfora
de todo o projeto Coletiva de Teatro. Espaço em branco a ser
preenchido, como a inatingível
baleia branca Moby Dick, que ao
mesmo tempo instiga e angustia,
impede e incentiva, o teatro, no
velho casarão curitibano, renasce
de sua própria impossibilidade.
(SSC)
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