São Paulo, segunda, 23 de março de 1998

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Tanga de gambá made in USA

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha

A Ilustrada solicitou-me artigo sobre "O Que É Isso, Companheiro?", que pode ganhar ou não hoje o Oscar de filme estrangeiro.
A consagração não mudará um milímetro o que penso a respeito, assim como minha modesta opinião não interfere em nada na recusa ou não do prêmio cobiçado.
Bad movie.
O único plano que presta é o do chofer de táxi falando sobre o sequestro do embaixador americano, cujo ator é uma espécie de sub-Marlon Brando do Francis Coppola para nos fazer esquecer, e quiçá perdoar, o papelão do professor Lincoln Gordon em 64, conspirando safadamente na derrubada de João Goulart.
O grande problema estético do filme é que o talento reprodutor de Bruno Barreto não foi além da reportagem série C de Fernando Gabeira, em que não existe nenhuma reflexão histórica acerca da ditadura de 1964, portanto o leitor (e, consequentemente, o espectador) não fica sabendo o que gerou a luta armada no Brasil.
Tudo começaria em 1968, ao som do sambinha "Garota de Ipanema", o que é um equívoco de periodização partilhado tanto pela contracultura pop quanto pela sociologia marxóloga colonizada da USP. Com esse ponto de partida, o filme de Barreto (a despeito de citar o cartaz "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha) pode ser interpretado como uma tentativa de livrar a cara da CIA na deflagração do golpe de 64.
Por que Barreto não pôs o cartaz de "Terra em Transe"?
Este filme causou ódio em Gabeira em 1967, tanto que pediu (no MAM do Rio) para "Terra em Transe" ser jogado no mar.
Macumba para turista. Em tudo, no filme de Barreto, o idioma inglês é melhor do que o português. Os atores estão mal dirigidos por causa do vício da telenovela na construção dos diálogos péssimos. A única locução que se salva é a carta escrita em inglês do embaixador para sua mulher, a Julieta dos Espíritos frequentadora do cineminha de Harry Stone, o doge dandy americano aculturado pela tropicanalha de Gilberto Gil.
De resto, é por isso que, do ponto de vista visual, a natureza do Rio vira cartão postal para fazer sucesso nos EUA.
Na acústica, o desacerto ainda é maior, porque não evoca o hino nacional e cita de maneira infeliz a Internacional Comunista, apresentando de modo mitômano o intelectual terrorista Gabeira como se fosse o Caetano Veloso que soubesse falar inglês.
O problema dessa onda "tela quente" é apresentar a sociedade brasileira estruturada pela polícia. No caso do filme de Barreto, a relação entre civis e militares mereceria um tratamento mais aprofundado, sobretudo porque a democracia civil destruiu o cinema nacional e vendeu o patrimônio bioenergético do país.
Nascido no cinema, Bruno Barreto faria um filme mais interessante se tivesse estudado o que Glauber deixou escrito sobre Gabeira, a luta armada e o exílio. Ele preferiu no entanto a mistificação midiática do livro "O Que É Isso, Companheiro?" (aliás, título horrível), que é uma espécie de "teoria da dependência" da tanga udistoque de Gabeira.
O final do filme é uma apologia do retorno à democracia desnacionalizada de 1989, o ano das eleições (Gabeira foi candidato a presidente da República), cujas urnas fraudadas consagraram a estética da telenovela de Fernando Collor, o videopata que mandou tacar fogo na Embrafilme.
Moral da história: dificilmente haverá renascimento do cinema brasileiro sem renascimento do nacionalismo.



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