São Paulo, sábado, 23 de abril de 2005

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"O Mundo Fora dos Eixos" reúne crônicas e resenhas de Bernardo Carvalho

Pacto contra o SILÊNCIO

Livro compila artigos do escritor publicados na Folha desde 1995

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Bernardo Carvalho, que está lançando "O Mundo Fora dos Eixos", livro que reúne crônicas, resenhas e ficções publicadas na Folha


MARCOS STRECKER
DA REDAÇÃO

"Para Que Serve a Literatura?" A pergunta introduz uma resenha sobre o poeta e crítico Paul Valéry (1875-1945) e tem como resposta: "Para nada". "O Fetiche do Autor" é uma crônica sobre um ator alemão que persegue obsessivamente os rastros de Franz Kafka (1883-1924). "Diante da Própria Dor" discorre sobre uma exposição do fotógrafo chinês Li Zhengsheng em Paris.
Os títulos dizem muito do autor e fazem parte de "O Mundo Fora dos Eixos", o nono livro de Bernardo Carvalho, que está chegando às livrarias. A obra faz uma síntese do seu trabalho como escritor, jornalista e colunista em diferentes gêneros narrativos, reunindo crônicas, resenhas e ficções publicadas desde 1995 na Folha.
O conjunto reafirma os recursos ficcionais do romancista premiado, do jornalista e do dramaturgo -último gênero no qual se aventurou. "Quando escrevo as colunas, estou fazendo uma crítica dos meu livros também. Nesse sentido vira um retrato de mim", diz Carvalho. "As colunas tratam de coisas das quais eu gosto muito. É como delimitar território. Posso dar pistas do que acho que sou e, por tabela, acabo explicando minha literatura", afirmou.
Mesmo não sendo escritas em primeira pessoa, as crônicas de "O Mundo Fora dos Eixos" expõem o universo pessoal do escritor. "É como se fossem um farol, um ponto de referência para as coisas que eu faço", disse.
Na sua definição "os textos são híbridos, críticas que têm como objeto um livro ou um filme para falar o que estou pensando ou mencionar algo que está me incomodando no momento". Os artigos também abordam peças, exposições ou viagens.
Em "Nunca Tive Tanto Orgulho de Ser Ateu", descreve a tensão de uma noite que passou em local ermo, em viagem à Mongólia. Na ocasião, conheceu os tsaatan, criadores de renas que vivem em florestas perto da Rússia. A experiência antecipou o livro "Mongólia", que lhe daria o Prêmio Jabuti em 2004 na categoria romance.
Em "Liturgia do Medo" narra como foi deixado em uma igreja evangélica na Brasilândia, periferia de São Paulo. Foi um exercício de pesquisa para o Teatro da Vertigem, grupo ao qual está integrado atualmente como dramaturgo. Na crônica, descreve estranhamento, intimidações e ameaças, uma experiência "fundamental" para o seu trabalho.
Outra experiência determinante é narrada em "Estranhos num Trem", quando fez uma viagem de pesquisa ao Japão e foi parar na casa de uma mulher que conheceu casualmente. A crônica descreve o que parecia uma armadilha. "Achei que a mulher e o marido queriam fazer um ritual satânico", disse.
Para Carvalho, as crônicas descritas acima são "colunas de medo". E explica: "Foi muito importante sentir medo, o medo como sentimento criativo. E nestes dois artigos também há humor, o que é bacana", disse.
Apesar de fugir das referências ao cotidiano, da experiência pessoal e dos diários ("que no fundo também são ficção"), Carvalho diz que nesses artigos há acontecimentos que os justificam. "Eles têm fatos excepcionais, que me levam a escrever", disse. O título da crônica no Japão é uma referência ao romance policial "Strangers on a Train", de Patricia Highsmith, adaptado para o cinema por Alfred Hitchcock ("Pacto Sinistro", de 1951), com roteiro de Raymond Chandler.
Essa aventura no Japão também traz pistas para o próximo romance de Carvalho, que vai se inspirar no universo de um dos principais autores japoneses do século 20, Junichiro Tanizaki (1886-1965). Autor de "As Irmãs Makioka", recém-lançado no Brasil pela ed. Estação Liberdade, Tanizaki tem parentes brasileiros, mas as personagens do próximo livro de Carvalho, que viverão em São Paulo, são "totalmente ficcionais", segundo disse.
A experiência multifacetada do escritor na verdade não significa desenvoltura, desinibição. Ao contrário, Carvalho evita com muita atenção parecer pretensioso e define como recato, às vezes, o cuidado que demonstra nas crônicas. Carvalho não se considera um cronista no sentido estrito. "A exposição pessoal da privacidade, isso eu não faço com naturalidade. Não tenho essa sem-cerimônia que o cronista tem", afirmou.
"Para escrever em primeira pessoa, com liberdade, você precisa ser meio louco. A Clarice Lispector era louca varrida. O que ela fez é muito bom, mas é outra coisa. Não sou louco nesse sentido. Sou louco em outras coisas", disse.
Pelo menos até o momento, de todos os gêneros narrativos, Carvalho aponta a dramaturgia como o mais ingrato. "É o mais difícil de todos. Pelo menos nessa peça que estou trabalhando. Não é criação coletiva, mas preciso da aprovação de 10 pessoas. É um exercício de convivência humana incrível, mas não pretendo repetir."
O impasse criativo imposto pelo trabalho de dramaturgo também virou uma coluna de Carvalho publicada pelo jornal francês "Libération" no último dia 5 de março. Os livros de Bernardo Carvalho já foram traduzidos em diversos países, inclusive na França, onde foi correspondente da Folha (também foi correspondente do jornal em Nova York). A recepção à sua obra no exterior também é citada em "O Mundo Fora dos Eixos", que tem um oportuno índice onomástico. Na crônica "Uma Idéia do Outro Mundo", conta a repercussão que seu último livro teve na França, onde foi comparado ao filósofo François Jullien.
As dez resenhas de Carvalho selecionadas para "O Mundo Fora do Eixo" foram publicadas ao longo de três anos na Folha, entre 1999 e 2002, na coluna "Resenha da Semana", da Ilustrada. Já as seis ficções foram escritas para edições temáticas do jornal, das quais também participaram outros escritores.


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