São Paulo, sábado, 23 de abril de 2011

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VENCEDORES DO PRÊMIO PULITZER 2011

CRÍTICA NÃO FICÇÃO

Livro narra história do câncer como guerra

Oncologista indiano Siddhartha Mukherjee compõe mistura de literatura clínica e relatos da doença invencível


AINDA HOJE SE EMPREGA A MASTECTOMIA COMO A CRIADA POR WILLIAM STEWART HALSTED EM 1890


MARCELO LEITE
EDITOR DE OPINIÃO

A expressão "literatura médica" foi sequestrada pela prosa mais aborrecida do planeta, os artigos de medicina em periódicos científicos. Deveria ser restituída ao gênero literário, que conta com Sigmund Freud, Oliver Sacks e Atul Gawande como expoentes -e que, agora, foi agraciado com o Pulitzer de Siddhartha Mukherjee.
Mukherjee, oncologista nascido na Índia e formado nos Estados Unidos, acaba de ganhar o Pulitzer de não ficção com "The Emperor of All Maladies - A Biography of Cancer" (o imperador de todas as moléstias -uma biografia do câncer). Boa surpresa. É o livro de estreia do médico, que nasceu em 1970.
Lendo a obra, porém, logo se entende por que o Pulitzer faz reverência diante de seu poder narrativo. Mukherjee compõe uma mistura refinada de historiografia clínica, relatos pungentes das agruras vividas pelos pacientes e reflexões agudas do especialista sobre as próprias vivências diante de uma doença impossível de vencer.
Nesse sentido, Mukherjee vai além do resultado obtido, por exemplo, por Drauzio Varella em seu "Por Um Fio" (Companhia das Letras). Há muito mais que histórias tristes de doentes aqui.
São várias, como a de Carla e a de Gertrude, que o autor narra com delicadeza, em prestações dispersas pelas 571 páginas (um terço tomado por notas, referências e índices), mas intercaladas, quase sempre com perícia, entre toneladas de informação histórica e científica. Pense numa reportagem da revista "New Yorker" ou da "Piauí". Estenda-a, contudo, por quase 400 páginas. O produto da multiplicação se lê com prazer e interesse.

CAMPO DE BATALHA
O cerne da narrativa é o período heroico de luta contra a doença, que se estende do final do século 19 ao início do 21. Uma guerra mesmo, que acaba em capitulação diante do inimigo invencível.
No auge do conflito, na década de 1970, os incansáveis Sidney Farber (que daria nome ao famoso centro de oncologia Dana-Farber) e Mary Lasker (nome do mais importante prêmio internacional em biologia) arrastam o Congresso norte-americano e o presidente Richard Nixon a declarar guerra ao câncer.
Bilhões de dólares depois, houve pequenas e grandes conquistas, mas nada que se qualifique como vitória.
Ainda hoje se emprega a mastectomia radical como a criada por William Stewart Halsted em 1890. Um arsenal de drogas quimioterápicas, radioterapias e antagonistas foi adicionado a ela, assim como diagnósticos refinados por testes genéticos, o que adiciona entre 17 e 30 anos de sobrevida às pacientes.
Atossa, a rainha persa do século 5 a.C. que mandou um escravo decepar o próprio seio tumoroso, com um pouco de sorte, conseguiria viver muito mais, especula Mukherjee. Se o seu câncer fosse no pâncreas, contudo, ganharia só alguns meses de vida, pois pouco se avançou no tratamento desde então.
Tumores são redes sociais das células mais bem-sucedidas de uma pessoa, as que conseguiram romper todas as amarras e controles para crescer, multiplicar-se e se espalhar. Mukherjee e seu livro fazem uma biografia reverente desse potentado fisiológico, o duplo do corpo com que todos podemos nos reencontrar -basta envelhecer o suficiente.

THE EMPEROR OF ALL MALADIES

AUTOR Siddhartha Mukherjee
EDITORA Simon & Schuster
QUANTO R$ 36, em média (393 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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