São Paulo, quinta, 23 de abril de 1998

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TEATRO CRÍTICA
"Tio Vânia" revê Tchecov

MARIO VITOR SANTOS
da Reportagem Local

No velho palco do Teatro Brasileiro de Comédia, para comemorar os cem anos do velho Teatro de Arte de Moscou, a encenação de "Tio Vânia" por Renato Borghi contraria convenções em torno das representações das peças do autor russo.
Ao contrário do que se tornou regra, "Tio Vânia" é rápida, justa, leve e cômica. A direção de Élcio Nogueira eliminou hiatos entre as falas, retirando muito da gravidade do texto, enfatizando o lado situacional. É verdade que muito da indução à reflexão se dilui, o que é compensado pela reação incomumente favorável da platéia.
"Tio Vânia", como qualquer obra superior, suscita diferentes leituras. Em geral, uma das interpretações se torna tradicional, gerando uma linhagem. No caso de Tchecov, consagrou-se a visão introspectiva.
O grande mérito dessa montagem é ter feito uma opção clara e oposta. Correu os riscos de impor uma visão original ao texto de Tchecov, que agora surge como um comediógrafo -atormentado, é verdade, mas até otimista.
É notável o manejo realizado no tempo das falas. Suprimido o vazio, não há espaço para reverberações subjetivas nos espectadores, o que costuma ser uma marca nas criações, tanto em "Tio Vânia" como em outras peças de Tchecov.
A ambição não parece principalmente agitar as profundezas da existência humana, embora isso também ocorra, mas provocar uma reação, divertir e engajar a atenção de maneira imediata.
Em geral, encara-se Tchecov como um autor para cujo mundo a platéia deve ser transportada. Aqui, a opção, aparentemente mais conservadora, foi trazer o autor ao gosto do espectador.
Como? Por todos os meios disponíveis. A "envelopagem" das paredes e das cadeiras do velho TB em tecido branco contribuiu, por exemplo, para o ar outonal. A movimentação dos atores durante as falas retira a ênfase de cada frase e confere uma fluidez bem contemporânea. Importa mais a ação do que a reflexão.
Em meio à exasperante crise que se abate sobre a casa de Vânia (Renato Borghi) e Sônia (Leona Cavalli), abalada pela presença de Serebriakov (Wolney de Assis) e Yelena (Mariana Lima), a montagem permite a expressão de um irresistível impulso de superação, em busca da razão de viver e de esperança na solução das desavenças.
A interpretação que Borghi confere ao personagem central tem muito da embriaguez dos pessimistas, imersos muitas vezes em processos de dor e prazer. Seu Vânia, porém, parece ainda pouco amadurecido, restaurando inflexões que o ator imprime a tantos de seus personagens, o que transparece principalmente nas falas.
Luciano Chirolli faz um doutor Astrov admirável em sua despretensão e juventude. Sua presença é sempre dominante no palco. Mariana Lima parece ausente, permitindo que as ambiguidades de Yelena se imponham à interpretação. O resultado é irrelevante.
Leona Cavalli mostra uma bem-sucedida veia cômica, num plano de menor envolvimento dramático do que nos seus tempos de teatro Oficina. Abrahão Farc (Tielhêguim) e Geisa Gama (Bá Marina) trabalham para dar às interpretações o padrão de qualidade e segurança necessários a uma produção profissional, honesta e comprometida com os interesses do público.

Peça: Tio Vânia Direção: Élcio Nogueira Onde: Teatro Brasileiro de Comédia (r. Major Diogo, 315, Bela Vista, tel. 011/606-4408) Quando: de quinta a sábado, às 21h; domingo, às 20h Quanto: R$ 12 Patrocinador: Telesp



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