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TEATRO CRÍTICA
"Tio Vânia" revê Tchecov
MARIO VITOR SANTOS
da Reportagem Local
No velho palco do Teatro Brasileiro de Comédia, para comemorar os cem anos do velho Teatro de
Arte de Moscou, a encenação de
"Tio Vânia" por Renato Borghi
contraria convenções em torno
das representações das peças do
autor russo.
Ao contrário do que se tornou
regra, "Tio Vânia" é rápida, justa,
leve e cômica. A direção de Élcio
Nogueira eliminou hiatos entre as
falas, retirando muito da gravidade do texto, enfatizando o lado situacional. É verdade que muito da
indução à reflexão se dilui, o que é
compensado pela reação incomumente favorável da platéia.
"Tio Vânia", como qualquer
obra superior, suscita diferentes
leituras. Em geral, uma das interpretações se torna tradicional, gerando uma linhagem. No caso de
Tchecov, consagrou-se a visão introspectiva.
O grande mérito dessa montagem é ter feito uma opção clara e
oposta. Correu os riscos de impor
uma visão original ao texto de
Tchecov, que agora surge como
um comediógrafo -atormentado, é verdade, mas até otimista.
É notável o manejo realizado no
tempo das falas. Suprimido o vazio, não há espaço para reverberações subjetivas nos espectadores,
o que costuma ser uma marca nas
criações, tanto em "Tio Vânia"
como em outras peças de Tchecov.
A ambição não parece principalmente agitar as profundezas da
existência humana, embora isso
também ocorra, mas provocar
uma reação, divertir e engajar a
atenção de maneira imediata.
Em geral, encara-se Tchecov como um autor para cujo mundo a
platéia deve ser transportada.
Aqui, a opção, aparentemente
mais conservadora, foi trazer o
autor ao gosto do espectador.
Como? Por todos os meios disponíveis. A "envelopagem" das
paredes e das cadeiras do velho TB
em tecido branco contribuiu, por
exemplo, para o ar outonal. A movimentação dos atores durante as
falas retira a ênfase de cada frase e
confere uma fluidez bem contemporânea. Importa mais a ação do
que a reflexão.
Em meio à exasperante crise que
se abate sobre a casa de Vânia (Renato Borghi) e Sônia (Leona Cavalli), abalada pela presença de Serebriakov (Wolney de Assis) e Yelena (Mariana Lima), a montagem
permite a expressão de um irresistível impulso de superação, em
busca da razão de viver e de esperança na solução das desavenças.
A interpretação que Borghi confere ao personagem central tem
muito da embriaguez dos pessimistas, imersos muitas vezes em
processos de dor e prazer. Seu Vânia, porém, parece ainda pouco
amadurecido, restaurando inflexões que o ator imprime a tantos
de seus personagens, o que transparece principalmente nas falas.
Luciano Chirolli faz um doutor
Astrov admirável em sua despretensão e juventude. Sua presença é
sempre dominante no palco. Mariana Lima parece ausente, permitindo que as ambiguidades de Yelena se imponham à interpretação.
O resultado é irrelevante.
Leona Cavalli mostra uma
bem-sucedida veia cômica, num
plano de menor envolvimento
dramático do que nos seus tempos
de teatro Oficina. Abrahão Farc
(Tielhêguim) e Geisa Gama (Bá
Marina) trabalham para dar às interpretações o padrão de qualidade e segurança necessários a uma
produção profissional, honesta e
comprometida com os interesses
do público.
Peça: Tio Vânia
Direção: Élcio Nogueira
Onde: Teatro Brasileiro de Comédia (r.
Major Diogo, 315, Bela Vista, tel.
011/606-4408)
Quando: de quinta a sábado, às 21h;
domingo, às 20h
Quanto: R$ 12
Patrocinador: Telesp
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