São Paulo, Sexta-feira, 23 de Abril de 1999
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UMA RESENHA A CADA DIA
Fãs sonharam com o Oscar da "nanica notável"


PATRICIO BISSO
especial para a Folha

Muito antes de Fernanda Montenegro ter nascido, em 1939, fãs chegaram a escrever para "A Cena Muda" querendo saber se Carmen Miranda seria indicada para um Oscar.
Eles nem sequer haviam assistido a "Serenata Tropical", em que a participação da cantora era mínima e alheia ao enredo. Com essa espécie de protoclipe caprichado, Carmen saiu-se muito bem no seu lançamento internacional, e ninguém pode negar seu impacto global nas mídias daquele tempo.
Inspirado em tese de mestrado, "Carmen Miranda Foi a Washington" (Record), de Ana Rita Mendonça, é um lançamento feliz para esses dias de ressaca pós-"Central Station". O fantasma de Carmen estará sempre rondando todos aqueles que sonham com abafar nos States. Afinal, o que é triunfar em Hollywood? Todo mundo quer ser estrela? Você é alguém?
Carmen foi uma artista original e completa. Muito além do samba, a nanica notável já estilizava um "Brazil for export" em apresentações na Argentina, onde ensaiou performance de comediante exótica que definitivamente não era a garota que mora ao lado.
"Uma estranha flor tropical", disse o "New York Herald Tribune", por ocasião da sua estréia na Broadway. Brasileira, portuguesa, mexicana ou espanhola, a nacionalidade de Carmen era sempre a mesma: estrangeira.
A autora consegue captar a atmosfera febril que acompanhava a artista nas suas idas e vindas. Símbolo pré-Pelé da primeira chance do Brasil ao verdadeiro estrelato, Carmen nos ensina o básico: para agradar, temos que criar um tipo. Criar um tipo é muito diferente de fazê-lo. E Carmen estilizou tanto o seu, que acabou virando arquétipo.
Embora o episódio que dá título ao livro não alcance dez linhas, podemos imaginar o que Carmen deve ter aprontado como Primeira-Dama da Boa Vizinhança, com seu limitado repertório em inglês. "I say yes, no, and money. And I say men, men, men!"
Embora o tom de tese acabe se infiltrando aqui e acolá, a saborosa pesquisa tem ponto alto nas citações da época. Ontem como hoje, os leitores de "Correio da Manhã", "Diário da Noite", "Cinearte" e "A Cena Muda" já se dividiam em carmistas e anti-carmistas.
"As invejosas e fracassadas devem deixar crescer as unhas para roê-las mais à vontade e com maior ferocidade quando chegar aqui a notícia dos novos triunfos de Carmen", dizia uma. "Imitadora de Lupe Vélez", "gorda", "palhaça", atacavam de outros lados.
Enquanto Ruy Castro fica a dever a biografia definitiva da artista, vamos nos entretendo com esse livro, apesar das costumeiras falhas na grafia de nomes e letras, que deixarão o leitor mais experiente incomodado. Só dou esse puxão de orelhas à jovem autora porque imagine que ela esnoba a gente dando o nome de TRÊS diretores de "...E O Vento Levou", para logo errar feio com "O Mágico de Oz". Achar que Vincente Minelli dirigiu aquele filme só Freud explica.


Avaliação:


Livro: Carmen Miranda Foi a Washington
Autora: Ana Rita Mendonça
Lançamento: Record Quanto: R$ 25 (210 págs.)


Onde encontrar: estande da Record (Bienal do Rio) e livrarias Saraiva e Siciliano (Salão de São Paulo)


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