São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 2002

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TV

Ao completar 3 anos, policial da Globo entra provisoriamente na geladeira e recebe críticas de Marcelo Rezende, um de seus criadores

No aniversário, "Linha Direta" sai do ar

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O "Linha Direta" comemora três anos na próxima segunda-feira. De presente, o programa ganha a geladeira da Globo por, pelo menos, cinco semanas.
O policial -que faz reconstituição de crimes e instiga os telespectadores a denunciar foragidos- foi ao ar pela primeira vez no dia 27 de maio de 1999. Hoje, exibirá sua última edição antes da "quarentena", forçada -oficialmente- pela Copa. Mas, depois dos jogos, vem o horário eleitoral, que pode manter o "Linha Direta" no freezer global. Ninguém sabe, na verdade, até quando fica lá.
O programa -criado para a "guerra" contra o Ratinho- já teve épocas áureas no Ibope, com 35 pontos de média. Mas caiu e hoje não consegue passar da marca dos 27, 28, nada tão significativo para a Globo no horário.
Três anos depois de dizer "a partir de hoje você está em linha direta com o seu direito, em linha direta com a cidadania", o apresentador Marcelo Rezende, um dos criadores da polêmica atração, nem está mais na Globo (há um mês foi contratado pela Rede TV!) e faz críticas ao programa. Diz que casos com ricos e poderosos eram evitados. "Não aguentava mais marido que matou mulher, mulher que matou marido."
Afirma que a gota d'água para que deixasse o policial, pouco mais de um ano após a estréia, foi um episódio "que mudaria a história do caso Daniella Perez". Produzido e editado por Rezende, com entrevista com a autora Glória Perez (mãe da atriz assassinada em 92), foi, segundo ele, barrado pela Globo.
Abaixo, Rezende fala sobre essa e outras histórias do "Linha Direta", programa que teve como teste a "histórica" entrevista com o maníaco do parque, exibida no "Fantástico", em novembro de 98 ("uma lambança que não teve tamanho").

Folha - O "Linha Direta" foi a primeira experiência na Globo de misturar jornalismo com entretenimento. Quem teve essa idéia?
Marcelo Rezende -
O [Carlos] Schroder [hoje diretor da Central Globo de Jornalismo, na época, o segundo homem, abaixo de Evandro Carlos de Andrade] me disse: "O Evandro mandou te perguntar se você quer fazer um programa na CGP [Central Globo de Produção, de shows e teledramaturgia]". Encontrei-me com o [Roberto" Talma [um dos diretores da CGP". Ele não tinha idéia do programa e começamos a construí-lo juntos. Daniel Filho sugeriu algo com procura e fotos. Mas o primeiro caso foi uma lambança que não teve tamanho. Fomos entrevistar o maníaco do parque. Editamos e levamos à direção da Globo. Dissemos que aquele poderia ser o formato. A Marluce [Dias da Silva, diretora-geral] quase enfarta, achou punk demais. Mas o Evandro mandou que tirássemos da edição umas maluquices para pôr no ar.

Folha - Então tinha mais "maluquices" do que as que foram ao ar?
Rezende -
Não. Na hora de editar, acabamos deixando do jeito que estava. Decidimos bancar. Botamos no ar e deu 53 de pico, às 23h. Foi um estrondo. Pensei: "Estou com a vida feita aqui dentro, ganhei o jogo". Nunca tomei tanto esporro na vida. A imprensa quase me mata. Pedi demissão de tanta vergonha. Uma coisa é o entusiasmo e outra é depois que você reflete. É óbvio que a gente errou a edição. A Globo me deu férias e o projeto [do "Linha Direta"" micou. Mas aí o Ratinho disparou, começou a dar 33, 34 de média, e a Globo, 20. A Marluce, então, pediu que voltássemos com o projeto. Fechamos a primeira idéia na casa do Talma, comendo dobradinha às 9h.

Folha - E por que você saiu?
Rezende -
Eu queria mexer no programa e começaram a barrar. Houve briga de egos. O ego mais forte era o meu. Imagine um jornalista fazendo um programa que dava quase 40 pontos! Além disso, eu queria participar da reconstituição e não deixaram.

Folha - Mas você na reconstituição do crime não poderia virar uma confusão para o telespectador?
Rezende -
Não. As pessoas gostam. Porque aquilo ali era muito mais a dramaturgia.

Folha - Mas não é problemático, como quando um telespectador denunciou um ator de uma reconstituição -achando que fosse o criminoso-, que quase foi preso?
Rezende -
Mas acontece. Já viu quando um jogador de futebol sai do estádio e dão pedrada nele?

Folha - Mas nesse caso as pessoas querem dar pedrada nele mesmo.
Rezende -
Mas acontecia (risos). Era natural, porque o grande barato era que os atores eram parecidos com os procurados. Era um truque para fazer com que as pessoas participassem daquilo. Você acha que é mole derrubar o Ratinho com 30 e tantos pontos de audiência? É barra-pesada.

Folha - Do que você não gostava?
Rezende -
Os casos eram sempre com pessoas pobres ou de classe média. Eu queria pegar os ricos.

Folha - Quem fazia essa seleção?
Rezende -
A CGJ [Central Globo de Jornalismo".

Folha - Que casos tentou produzir e não foram aprovados?
Rezende -
Tinha um senador que eu sabia que estava envolvido num crime... Isso não foi bem recebido. Não sei se é receio ou discriminação. Um que me aborreceu muito foi quando começamos a levantar novamente o caso da Daniella Perez. Eu conversei com a Glória várias vezes. Mesmo o caso já tendo sido julgado, tínhamos uma testemunha que até hoje ninguém ouviu. Não vou contar porque uma hora eu uso. O cara estava aposentado da polícia, pescando em paz. Fizemos ele contar a história, editamos o programa. A Glória participou. Por decisão da CGJ, o programa não foi ao ar. Foi a gota d'água.

Folha - Isso poderia mudar a história da morte de Daniella Perez?
Rezende -
Havia uma dúvida e a testemunha modificava a história. Eu sabia que o negócio estava errado. Aí perdi a paciência. Não ia passar o resto da minha vida mostrando crime de mulher que matou o marido ou marido que matou a mulher. Queria mais.


Colaborou Ivan Finotti, da Reportagem Local



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