|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TV
Ao completar 3 anos, policial da Globo entra provisoriamente na geladeira e recebe críticas de Marcelo Rezende, um de seus criadores
No aniversário, "Linha Direta" sai do ar
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
O "Linha Direta" comemora
três anos na próxima segunda-feira. De presente, o programa ganha a geladeira da Globo por, pelo
menos, cinco semanas.
O policial -que faz reconstituição de crimes e instiga os telespectadores a denunciar foragidos- foi ao ar pela primeira vez
no dia 27 de maio de 1999. Hoje,
exibirá sua última edição antes da
"quarentena", forçada -oficialmente- pela Copa. Mas, depois
dos jogos, vem o horário eleitoral,
que pode manter o "Linha Direta"
no freezer global. Ninguém sabe,
na verdade, até quando fica lá.
O programa -criado para a
"guerra" contra o Ratinho- já teve épocas áureas no Ibope, com
35 pontos de média. Mas caiu e
hoje não consegue passar da marca dos 27, 28, nada tão significativo para a Globo no horário.
Três anos depois de dizer "a
partir de hoje você está em linha
direta com o seu direito, em linha
direta com a cidadania", o apresentador Marcelo Rezende, um
dos criadores da polêmica atração, nem está mais na Globo (há
um mês foi contratado pela Rede
TV!) e faz críticas ao programa.
Diz que casos com ricos e poderosos eram evitados. "Não aguentava mais marido que matou mulher, mulher que matou marido."
Afirma que a gota d'água para
que deixasse o policial, pouco
mais de um ano após a estréia, foi
um episódio "que mudaria a história do caso Daniella Perez". Produzido e editado por Rezende,
com entrevista com a autora Glória Perez (mãe da atriz assassinada em 92), foi, segundo ele, barrado pela Globo.
Abaixo, Rezende fala sobre essa
e outras histórias do "Linha Direta", programa que teve como teste
a "histórica" entrevista com o maníaco do parque, exibida no "Fantástico", em novembro de 98
("uma lambança que não teve tamanho").
Folha - O "Linha Direta" foi a primeira experiência na Globo de misturar jornalismo com entretenimento. Quem teve essa idéia?
Marcelo Rezende - O [Carlos]
Schroder [hoje diretor da Central
Globo de Jornalismo, na época, o
segundo homem, abaixo de
Evandro Carlos de Andrade] me
disse: "O Evandro mandou te perguntar se você quer fazer um programa na CGP [Central Globo de
Produção, de shows e teledramaturgia]". Encontrei-me com o
[Roberto" Talma [um dos diretores da CGP". Ele não tinha idéia
do programa e começamos a
construí-lo juntos. Daniel Filho
sugeriu algo com procura e fotos.
Mas o primeiro caso foi uma lambança que não teve tamanho. Fomos entrevistar o maníaco do
parque. Editamos e levamos à direção da Globo. Dissemos que
aquele poderia ser o formato. A
Marluce [Dias da Silva, diretora-geral] quase enfarta, achou punk
demais. Mas o Evandro mandou
que tirássemos da edição umas
maluquices para pôr no ar.
Folha - Então tinha mais "maluquices" do que as que foram ao ar?
Rezende - Não. Na hora de editar, acabamos deixando do jeito
que estava. Decidimos bancar.
Botamos no ar e deu 53 de pico, às
23h. Foi um estrondo. Pensei:
"Estou com a vida feita aqui dentro, ganhei o jogo". Nunca tomei
tanto esporro na vida. A imprensa
quase me mata. Pedi demissão de
tanta vergonha. Uma coisa é o entusiasmo e outra é depois que você reflete. É óbvio que a gente errou a edição. A Globo me deu férias e o projeto [do "Linha Direta"" micou. Mas aí o Ratinho disparou, começou a dar 33, 34 de
média, e a Globo, 20. A Marluce,
então, pediu que voltássemos
com o projeto. Fechamos a primeira idéia na casa do Talma, comendo dobradinha às 9h.
Folha - E por que você saiu?
Rezende - Eu queria mexer no
programa e começaram a barrar.
Houve briga de egos. O ego mais
forte era o meu. Imagine um jornalista fazendo um programa que
dava quase 40 pontos! Além disso, eu queria participar da reconstituição e não deixaram.
Folha - Mas você na reconstituição do crime não poderia virar uma
confusão para o telespectador?
Rezende - Não. As pessoas gostam. Porque aquilo ali era muito
mais a dramaturgia.
Folha - Mas não é problemático,
como quando um telespectador
denunciou um ator de uma reconstituição -achando que fosse o criminoso-, que quase foi preso?
Rezende - Mas acontece. Já viu
quando um jogador de futebol sai
do estádio e dão pedrada nele?
Folha - Mas nesse caso as pessoas
querem dar pedrada nele mesmo.
Rezende - Mas acontecia (risos).
Era natural, porque o grande barato era que os atores eram parecidos com os procurados. Era um
truque para fazer com que as pessoas participassem daquilo. Você
acha que é mole derrubar o Ratinho com 30 e tantos pontos de audiência? É barra-pesada.
Folha - Do que você não gostava?
Rezende - Os casos eram sempre
com pessoas pobres ou de classe
média. Eu queria pegar os ricos.
Folha - Quem fazia essa seleção?
Rezende - A CGJ [Central Globo
de Jornalismo".
Folha - Que casos tentou produzir
e não foram aprovados?
Rezende - Tinha um senador
que eu sabia que estava envolvido
num crime... Isso não foi bem recebido. Não sei se é receio ou discriminação. Um que me aborreceu muito foi quando começamos a levantar novamente o caso
da Daniella Perez. Eu conversei
com a Glória várias vezes. Mesmo
o caso já tendo sido julgado, tínhamos uma testemunha que até
hoje ninguém ouviu. Não vou
contar porque uma hora eu uso.
O cara estava aposentado da polícia, pescando em paz. Fizemos ele
contar a história, editamos o programa. A Glória participou. Por
decisão da CGJ, o programa não
foi ao ar. Foi a gota d'água.
Folha - Isso poderia mudar a história da morte de Daniella Perez?
Rezende - Havia uma dúvida e a
testemunha modificava a história. Eu sabia que o negócio estava
errado. Aí perdi a paciência. Não
ia passar o resto da minha vida
mostrando crime de mulher que
matou o marido ou marido que
matou a mulher. Queria mais.
Colaborou Ivan Finotti, da Reportagem
Local
Texto Anterior: Cozinha Ilustrada - Harumaki Próximo Texto: Outro Lado: Globo nega discriminação de classe social Índice
|